Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

Angioplastia na Prevenção: Onde está o Benefício?

 

Tradução parcial de artigo da jornalista Shannon Brownlee, publicada no The New York Times Magazine de 16 de março de 2003 com título "The Perils of Prevention", sobre o qual fazemos algumas observações ao seu final.

 

"Os Perigos da Prevenção

 

Uma das doutrinas centrais da medicina moderna é que quanto mais cedo seu médico possa descobrir a doença, melhor.

 

Mas enquanto esse tipo de prevenção claramente funciona, uma tendência problemática acontece quando envolve médicos tratando ativamente seus pacientes com remédios e procedimentos para prevenir a doença. Dr. Eric Schneider, professor assistente de medicina da Escola de Saúde Pública de Harvard e da Escola Médica de Harvard, chama isso de "Prevention Creep" (Prevenção que Arrepia). É a fé em geral na força da intervenção médica de bloquear não somente certas doenças distintas, como hipertensão, mas também a maioria das condições crônicas ou potencialmente ameaçadoras da vida. O corolário para esta idéia é que a intervenção funciona melhor quando a doença é detectada tão cedo quanto possível, preferencialmente antes que os sintomas aconteçam. Médicos e seus pacientes, diz Schneider, começaram a acreditar implicitamente na noção que descobrindo qualquer doença mais cedo e tratando-a -- freqüentemente de forma agressiva -- pode fazer você viver mais tempo.

 

Schneider foi o investigador líder em um estudo sobre a angioplastia, um procedimento comum que é freqüentemente visto como uma medida preventiva. A angioplastia é intencionada para tratar os sintomas físicos da doença cardíaca -- dispnéia de esforço e angina do peito -- e pode ser uma salva-vidas quando administrada dentro das primeiras horas de um enfarte do miocárdio.

 

Em 2000, as angioplastias, tanto através de balão ou stent, salvaram a vida de muitos americanos no meio de um enfarte do miocárdio. Mas a maioria das milhões de angioplastias realizadas foram feitas em pessoas que não estavam em perigo iminente de morrer. O estudo de Schneider sugere que mais do que dois terços destas tão chamadas angioplastias eletivas (não realizadas para salvar a vida do paciente, mas para prevenir sintomas futuros) foram feitas em pacientes que, por critérios aceitos pelos próprios cardiologistas, podem ter pouco ou nada a ganhar desse procedimento.

 

Quando o grupo liderado por Schneider investigou 828 angioplastias feitas em beneficiários do Medicare, eles acharam que somente cerca de um terço dos pacientes poderiam esperar um benefício do procedimento. Outros 14% das angioplastias foram completamente inapropriadas, tanto porque os pacientes não tinham sintomas ou a redução no calibre de suas artérias era tão pequena que não poderia causar quaisquer problemas ou ainda a sua condição era tão grave que que eles precisariam de operação para a implantação de ponte de safena. Para a metade restante dos pacientes no estudo, foi impossível decidir se eles seriam beneficiados com o procedimento.

 

Porque os cardiologistas desejariam sujeitar os pacientes a um tratamento eletivo que eles poderiam não necessitar? Parte da resposta é que um número imenso de Americanos -- cerca de dois milhões por ano -- estão fazendo angiografias, teste de imagem que mostra redução, ou estenose, nas artérias coronárias. Uma vez que os cardiologistas visualizem uma redução do calibre arterial, é muito difícil não desejarem fazer algo com relação a isso. Dr. Eric Topol, chefe do departamento de medicina cardiovascular da Clínica de Cleveland, chama isso de "occulostenotic reflex" (reflexo óculo-estenótico). "Você vê uma redução no calibre, e você pensa, Nós precisamos fazer um stent," ele diz. "Este é um problema, já que muitas reduções de calibre arterial são inocentes -- elas não precisam de um stent; elas não estão ligadas aos sintomas do paciente. Mas você entrou no trem, e você não pode mais descer uma vez que ele está em movimento." Um número demasiado de cardiologistas, diz Topol, não fazem o bastante para tratar a condição crônica, os problemas implícitos como alto colesterol que estão causando a redução no calibre. Eles precisam encorajar seus pacientes a adotar um estilo de vida mais saudável, por exemplo, e prescreverem medicação anti-colesterol e aspirina. "Existe uma grande força para fazer procedimentos de angioplastia," ele diz. "Ela pode ser feita rapidamente; ela é razoavelmente segura; e os cardiologistas acham-na relativamente lucrativa."Mas também a motivação de tantas angioplastias é a esperança não falada que a operação será uma bala mágica, um rápido e seguro procedimento que irá prevenir o enfarte do miocárdio, alguma vez no futuro.

 

Infelizmente, até este momento não existe evidência que suporte tal idéia. É a fé e desejo que a gente tem que a angioplastia previna futuros ataques do coração, explica Dr. Robert Lager, um cardiologista do Centro Hospitalar de Washington no Distrito de Columbia. "Mas pacientes querem acreditar nisso. Você pode ver a mudança no olhar deles quando diz que eles tem uma doença crônica. E é fácil para nós médicos acreditarmos nisso também. Mas a angioplastia foi desenvolvida para tratar sintomas."

 

A angioplastia é um padrão para a maneira na qual muitos procedimentos vieram a ter um largo uso na medicina Americana, louvável, mas muitas vezes um esforço inútil para prevenir a doença. Primeiro, os médicos descobrem que um procedimento salva vidas ou efetivamente trata uma condição aguda. Posteriormente eles começam a aplicá-lo em pacientes cuja doença não é tão avançada na esperança que eles irão manter a condição e não piorar. E então eles começam a procurar por sinais prematuros da doença em pacientes os quais se sentem perfeitamente bem de saúde. A prevenção se tornou o slogan dos médicos, o mantra que motiva o uso -- freqüentemente incorreto -- de procedimentos e testes diagnósticos em cada ramo da medicina da cardiologia a psiquiatria. Sua atividade ultrapassou as fronteiras da futilidade médica e jogou combustível na convicção repartida pelos médicos e pacientes de que é melhor errar no lado de fazendo alguma coisa a mais do que a menos.

 

Shannon Brownlee"

 

Observação: Tendo em vista que diversas alternativas de tratamento (Ex:  medicação anti-colesterol do tipo estatina, aspirina e cirurgia de ponte de safena) citadas no artigo acima estão sofrendo controvérsias, sugerimos a leitura de outros artigos específicos publicados nas seções de Denúncias e de Polêmicas do Instituto.

 

           

Seção Denúncias