Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

A Indução do Infarto do Miocárdio por Procedimentos de Revascularização Coronária (Cirurgia de Ponte de Safena ou Angioplastia Coronária)

 

A incidência anual do infarto agudo do miocárdio após a cirurgia de ponte de safena está na faixa entre 3% e 8% de acordo com revisão feita por Shapira I e colegas, do Souraski Medical Center em Israel (1).  Enquanto isso, as estatísticas do infarto do miocárdio no peri-operatório da cirurgia de ponte de safena (até 30 dias após a cirurgia) mostram índices bem mais altos, variando de 0% a 58%. Além do infarto miocárdico agudo no perioperatório da cirurgia de ponte de safena (IMAP) envolver sérias implicações quanto à morbidade e mortalidade, tem sido levantada a hipótese de que a causa do infarto foi um dos efeitos da própria cirurgia. Em outras palavras, o infarto pode estar associado ou ter sido provocado por ela.     

 

Esta linha de raciocínio foi aceita por médicos do Centro Cardíaco de Linkoping, ligado ao Hospital Universitário – Suécia, e apresentada em trabalho publicado em outubro de 2000 no Scandinavian Cardiovascular Journal (2). O estudo retrospectivo controlado, desenvolvido pelo Departamento de Cirurgia Cardiotorácica, envolveu 42 pacientes que preencheram tanto critérios eletrocardiográficos na onda Q como critérios enzimáticos ou ainda diagnosticados na autópsia como IMAP. Esses pacientes fizeram parte de um grupo de 1147 operados no mesmo período de tempo, sendo comparados com um grupo de controle durante 24 meses após a operação. Como resultado, observou-se maior incidência de angina instável e na mortalidade em 30 dias (24%) nos 42 pacientes, do que no grupo de controle (0%). Também o curso pós-operatório foi mais complicado e demorado nos pacientes que sofreram IMAP, do que no grupo de controle. A conclusão dos autores foi de que o infarto perioperatório estava principalmente associado à cirurgia coronária e que a angina instável foi o mais importante fator de risco perioperatório encontrado nos 42 pacientes.

 

É interessante notar que na revisão efetuada por Henry D McIntosh e Jorge A Garcia em 1978, sobre a primeira década da cirurgia da ponte de safena (3), estes pesquisadores informaram de que havia relatos de que infartos miocárdicos perioperatórios diagnosticados pelo desenvolvimento de novas ondas Q aconteciam de 1,3% a 40% dos casos. Também disseram na publicação que diversos estudos mostraram em pacientes que desenvolveram infarto relacionado a cirurgia de ponte de safena uma mortalidade pós-operatória imediata de 12% a 64%. 

 

Em trabalho retrospectivo mais recente (4), desenvolvido no Instituto de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular de Cuba, foram estudados 212 casos consecutivos de revascularização miocárdica através de ponte de safena, encontrando-se a prevalência de enfarte miocárdico perioperatório de 16,9% (5,9% no trans-operatório). Os médicos cubanos notaram, durante o período trans-operatório de seus pacientes, a presença de algum evento isquêmico em 14,6% dos casos e no período pós-operatório imediato apresentando eventos isquêmicos em 31,4%. Na revisão que fizeram de outros trabalhos, observaram que o IMAP aparece com uma freqüência de 2,0 a 19,1%, dependendo de cada série de pacientes e dos critérios usados para o diagnóstico. Citam o trabalho de Rossi e colegas (5) onde estes autores assinalaram que em 33,5% de seus casos, durante o período trans-operatório, aconteceram ocorrências de sucessivas mudanças transitórias do segmento ST. Informaram ainda que no pós-operatório de seus pacientes, associadas ao IMAP, foram detectadas várias complicações. Entre elas: baixo débito cardíaco (57,1%), arritmias ventriculares (40%), morte no pós-operatório (31,4%), disfunção pulmonar (17%) e extrema bradicardia (8,6%).  

 

Pesquisa (6) comparando 219 pacientes que tiveram infarto do miocárdio após a cirurgia de ponte de safena versus 2.275 pacientes que tiveram infarto sem cirurgia prévia resultou que, durante a hospitalização, os pacientes operados tiveram mais dor de angina recente (46% versus 32%) e infarto sem onda Q (33% versus 23%).

 

Outro estudo (7) procurou determinar a incidência, predição, e significância prognóstica da elevação do nível de enzima na seqüência da cirurgia de ponte de safena. A população compreendeu 496 pacientes com doença coronária multiarterial, os quais foram selecionados para a cirurgia de ponte de safena. O CK-MB (marcador do nível enzimático para determinação do dano no tecido miocárdico) foi medido de forma prospectiva em 6, 12 e 18 horas após o procedimento cirúrgico. O seguimento clínico foi realizado em 30 dias e em 1 ano após a cirurgia. Elevação anormal do CK-MB ocorreu em 61,9% dos pacientes. Os pacientes com o nível de enzimas aumentado após a cirurgia de ponte de safena tiveram ampliado seu risco tanto de óbito quanto de repetição de enfarte do miocárdio, dentro dos primeiros 30 dias. A elevação do CK-MB foi também relacionada, de forma independente, com os resultados adversos tardios. A conclusão dos autores foi de que as concentrações aumentadas de CK-MB, as quais são freqüentemente postas de lado como inconseqüentes para a realização da cirurgia de ponte de safena multiarterial parece ocorrer muito freqüentemente, estando associadas com um significativo aumento na repetição do enfarte do miocárdio e no óbito posteriores ao período perioperatório imediato.

 

Pesquisa de objetivos parecidos com a anterior (7) procurou determinar se os níveis elevados de enzima estariam associados com aumento na mortalidade à médio prazo e na identificação de pacientes que poderiam se beneficiar de melhor proteção miocárdica pós-operatória (8). Na pesquisa foram envolvidos 2.918 pacientes, selecionados para se submeterem a cirurgia de ponte de safena, e que foram considerados em alto risco de sofrerem necrose miocárdica. As medidas de CK-MB foram feitas em 8, 12, 16 e 24 horas após a cirurgia de ponte de safena. As taxas de mortalidade em seis meses foram respectivamente de 3.4%, 5.8%, 7,8% e 20,2% para os pacientes que apresentaram no pós-operatório, picos nos valores de CK-MB acima dos limites padrão. A conclusão dos autores foi de que a progressiva elevação da proporção CK-MB em pacientes de alto risco está associada com significativas elevações de mortalidade no médio prazo pós-cirurgia de ponte de safena.

 

Quanto ao infarto do miocárdio após angioplastia coronária percutânea, ele ocorre de forma freqüente, na avaliação dos autores do estudo CAVEAT (9), sendo altamente preditivo de mortalidade, cirurgia de ponte de safena, ou a repetição da intervenção dentro de 30 dias. 

 

Segundo Califf e colegas, do Centro Médico da Duke University, as elevações de CK e CK-MB ocorrem de 5% a 30% dos pacientes após a intervenção percutânea e comumente durante a cirurgia de ponte de safena. Disseram em seu artigo (10) que pelo menos 10 estudos, avaliando mais de 10.000 pacientes submetidos à intervenção percutânea, demonstraram que a elevação de CK ou CK-MB está associada não só a uma maior mortalidade, mas também com um alto risco de eventos cardíacos subseqüentes.  

 

Em estudo publicado na Circulation (11), pesquisadores da Cleveland Clinic Foundation relataram que pacientes com CK-MB elevado, após angioplastia coronária percutânea tiveram um aumento no risco de óbito nos 3-4 meses subseqüentes à intervenção. A pesquisa envolveu 8409 pacientes consecutivos, com enfarte miocárdico não agudo e que foram seguidos dentro de uma média de 38 meses. 17,2% dos pacientes tiveram CK-MB acima do normal após a angioplastia. O risco de óbito para 4 meses foi respectivamente de 8,9%, 1,9% e 1,2% para pacientes com CK-MB > 5x, CK-MB de 1 a 5x e CK-MB 1x o normal. Stephen Ellis, um dos autores, diz que de 10-40% dos pacientes submetidos à angioplastia coronária percutânea têm alguma liberação de enzimas cardíacas (mionecrose). A literatura sugere um vínculo entre a mionecrose após a angioplastia e subseqüente mortalidade explica Ellis, mas tem havido controvérsia sobre qual nível de CK-MB é importante para o risco de óbito, o que foi um dos pontos demonstrados no trabalho realizado pelo seu grupo (12).

 

Em recente trabalho publicado na Circulation, pesquisadores da Universidade de Oxford, utilizando sistema de imagem por ressonância magnética, mostraram que 28% dos pacientes  tiveram nova injúria miocárdica irreversível após o procedimento de angioplastia coronária percutânea, sendo que em todos esses pacientes havia elevações enzimáticas pelo marcador troponina (16).

 

Estudo multicêntrico publicado recentemente avaliou os níveis de CK-MB e troponina cardíaca de 3911 pacientes que se submeteram angioplastia coronária percutânea, sendo que as amostras sangüíneas foram coletadas antes do procedimento, após 8 à 12 horas e 18 à 24 horas pós-procedimento. No total a elevação CK-MB foi vista em 16% dos pacientes. Após dois anos de seguimento, 153 pacientes morreram; as taxas de mortalidade foram significativamente maiores nos pacientes com  CK-MB elevado após o procedimento de angioplastia coronária percutânea comparativamente com os pacientes sem CK-MB elevado, sendo que quanto maior o CK-MB mais alta a mortalidade. Em contraste, as taxas de troponina cardíaca foram elevadas em quase metade dos participantes do estudo na época do procedimento mas não foram significativamente associadas com a mortalidade no passar do tempo (17).

 

Na avaliação de um grupo de pacientes com estenose coronária foi levantada a hipótese de que o aumento na atividade da digital endógena no sangue, no curso de um período de isquemia miocárdica, durante a angioplastia coronária percutânea, estaria relacionado com a redução no débito cardíaco e elevação das pressões cardíacas, podendo estimular a produção de um fator de significativa compensação inotrópica (13). As concentrações de digoxina peri-operatória também foram medidas em 20 pacientes adultos a serem submetidos à cirurgia de ponte de safena. Nenhum dos pacientes tinham recebido tratamento com digoxina. A substância imunoreativa endógena do tipo digoxina, foi encontrada em 16 dos pacientes no pós-operatório (14). O aspecto interessante nestes 2 últimos estudos é o aumento na produção da digital endógena nos pacientes. A digital, juntamente com a estrofantina e outros cardiotônicos endógenos, com composição similar àqueles retirados de plantas, os quais têm sido encontrados nos fluídos corporais sem ter havido administração de qualquer tratamento contendo essas substâncias, vêm sendo cada vez mais apontados como hormônios naturais do organismo humano, para atender as necessidades do metabolismo cardíaco e de proteção ao coração (15).

 

Bibliografia

1. Acute myocardial infarction in patients who have had coronary artery bypass surgery. Shapira I, Fishman EZ, Drory Y, Pines A; South Med J 1997 Nov; 90 (11): 1129-32.

2. Perioperative myocardial infarction in cardiac surgery – risk factors and consequences. A case control study. Dahlin LG, Olin C, Svedjeholm R; Scand Cardiovascular J 2000 Oct; 34 (5): 522-7

3. The First Decade of Aortocoronary Bypass Grafting, 1967-1977. HenryD McIntosh and Jorge A Garcia, Circulation, March 1978;57:3

4. Infarto agudo del miocárdio en la revascularización miocárdica, Morlans K, Cabrera H S, Gonzáles-Prendes C M, Paz J M, Rev Cubana Cardiol Cir Cardiovas 1997; 11 (1): 5-11

5. Intra and perioperative arrhytmia and ischemic signals in myocardial revascularization patients. Rossi I, Carboniere E, Favori A, Frachi G, Gerosa G, Silvestre G; G Ital Cardiol 1990; 20 (11): 107-33 

6. Outcome after acute myocardial infarction in patients with prior coronary artery bypass surgery. Dittrich H C, Gilpin E, Nicod P, et al; Am J Cardiol 1993; 72: 507-513.

7. Incidence, predictors, and significance of abnormal cardiac enzyme rise in patients treated with bypass surgery in the Arterial Revascularization Therapies Study (ARTS). Costa MA, Carere RG, Lichtenstein SV, et al, Circulation, 2001;104:2689-2693.

8. Increased mortality after coronary artery bypass graft surgery is associated with increased levels of postoperative creatine kinase-myocardial band isoenzyme release: results from the GUARDIAN trial. Klatte K, Chaitman BR, Theroux P, Gavard JA, Stocke K, Boyce S, Bartels C, Keller B, Jessel A; The GUARDIAN Investigators (The GUARD during Ischemia Against Necrosis). J Am Coll Cardiol 2001 Oct;38(4):1070-7

9. Characteristics and consequences of myocardial infarction after percutaneous coronary intervention: Insights from the Coronary Angioplasty Versus Excisional Atherectomy Trial (CAVEAT). Harrington RA, Lincoff AM et al, J Am Coll Cardiol 1995 Jun;25(7):1693-9

10. Myonecrosis after revascularization procedures. Califf RM, Abdelmeguid AE et al, J Am Coll Cardiol 1998 Feb; 31(2):241-51

11. Death following Creatine Kinase-MB elevation after coronary intervention. Identification of an early period: Importance of Creatine Kinase-MB level, completeness of revascularization, ventricular function, and probable benefit of statin therapy. Stephen G Ellis et al, Circulation (Published on line before print August 19, 2002)

12. Study provides better definition of risk factors after angioplasty. Jane Bradbury, The Lancet 2002;360:9333 

13.Delva P et al - Increase in plasma digitalis-like activity during percutaneous transluminal coronary angioplasty in patients with coronary stenosis, Life Sci, 47(5):385-9, 1990.

14. Nashef SA et al - Endogenous digoxin-like immunoreactive substance in patients undergoing coronary surgery. Preliminary report, Eur J Cardiothorac Surg, 2(5):380-1, 1988

15. A descoberta dos cardiotônicos endógenos: história e perpectivas (polêmica-35)

16. Troponin elevation after percutaneous coronary intervention directly represents the extent of irreversible myocardial injury: insights from cardiovascular magnetic resonance imaging, Selvanayagam JB, Porto I et al. Circulation 2005 Mar 1;111(8):1027-32

17. Impact of the elevation of biochemical markers of myocardial damage on long-term mortality after percutaneous coronary intervention: results of the CK-MB and PCI study, Cavallini C et al. Eur Heart J 2005; March 1

 

 

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