Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

A Cobertura de Notícias Médicas pela Mídia: Informativa ou Enganosa?

 

Evidência emergente sugere que a cobertura da medicina pela mídia está cada vez mais de natureza promocional. Isto é o que escreveram Ray Moynihan e M Sweet, em artigo (1) onde informam que existem largas preocupações de que este problema no jornalismo médico possa ser exacerbado pela crescente comercialização de pesquisas médicas e científicas, e o aumento dos vínculos entre pesquisadores, médicos, e companhias farmacêuticas e de biotecnologia. Informam ainda que as estreitas ligações entre a indústria e medicina estão sendo explicitamente encorajadas tanto na academia quanto no setor de cuidados médicos, pelos mútuos benefícios que trazem.

 

Anteriormente, no mesmo ano, Ray Moynihan e médicos da Escola de Médica de Harvard (2) relataram em estudo publicado no New England Journal of Medicine sobre a cobertura através de jornais e televisão, de três medicamentos usados para prevenir doenças importantes – pravastatina, alendronate, e aspirina. Eles analisaram 180 artigos de jornais (60 de cada remédio) e 27 reportagens de televisão que apareceram entre 1994 e 1998. Os autores encontraram numerosas vezes em que as estórias continham informação inadequada ou incompleta sobre os riscos, benefícios e custos associados com estes medicamentos. Em adição, as estórias freqüentemente falharam na menção de vínculos financeiros entre os fabricantes farmacêuticos, grupos de estudos e especialistas.

 

Em editorial paralelo no NEJM (3), por Robert Steinbrook, é colocado: “Tão importante se tornou a cobertura de pesquisas médicas pela mídia que muitos acreditam que ela impõe a agenda não só para o público, mas também para pesquisadores e médicos” e que “Existe preocupação substancial de que a cobertura da medicina pela mídia de notícias é de qualidade irregular e que algumas vezes tanto engana como informa”.

 

Miriam Shuchman e Michael Wilkes já haviam dito em 1997 (4): “O público está pobremente servido pela cobertura da ciência médica na imprensa em geral. Cientistas e médicos culpam a imprensa clamando que os jornalistas são descuidados em suas reportagens, sujeitos a pressões competitivas e ignorantes quanto ao processo científico. Jornalistas acusam a comunidade médica de limitar o acesso à informação e de levantar barreiras para a disseminação pública da pesquisa médica. Em muitas áreas de reportagens de notícias na saúde, o problema básico é uma dinâmica interativa que envolve cientistas e jornalistas. Ambas as partes dividem a responsabilidade para uma correta comunicação ao público”. Estes autores sugerem formas de melhorar as reportagens sobre notícias na saúde, focalizando em quatro áreas que consideram problemáticas: sensacionalismo, preconceitos e conflitos de interesse, falta de follow-up, e estórias que não são cobertas. Destacamos os seguintes trechos de seu artigo:

 

Sensacionalismo

“Freqüentemente, os jornalistas caçam notícias médicas como se eles estivessem reportando uma crise com reféns. Ao invés, a reportagem é sensacionalizada. O jornalista exagera um achado científico e, como resultado, o público é enganado sobre as implicações de tal achado. Esse tipo de reportagem tem suas raízes nas pressões para dramatizar estórias, soando alarmes ou promovendo curas, mas cientistas e instituições científicas ocasionalmente contribuem para o sensacionalismo.

 

Os cientistas têm um compreensível desejo por publicidade: Ela pode ajudá-los a conseguirem fundos, é avaliada por instituições, e aumenta o conhecimento com relação a pesquisa que estão realizando. Os esforços de cientistas para atrair a atenção da mídia, entretanto, pode resultar em uma cobertura enganosa. Por exemplo, press releases são emitidos de forma não acurada ou incompleta e conferências para a imprensa acontecem mesmo que os dados em discussão sejam preliminares.

 

Organizações científicas convidam a mídia para suas apresentações sem providenciar explicações de conceitos epidemiológicos e estatísticos ou acesso para cientistas que possam criticar um determinado esforço de pesquisa.

 

A esperança sensacionalizada

Exatamente como um incentivo para soar alarmes pode empurrar a mídia na direção de exageros, o desejo de jornalistas de oferecer esperança pode levar a uma falsa descrição de novos tratamentos.

 

Jornalistas que publicam falsas reivindicações podem ser criticados por não estarem sendo éticos, mas os cientistas que providenciam a informação precisam dividir a culpa.

 

A tendência de ignorar estudos negativos

A reportagem inexata sobre riscos à saúde é, além disso, ajudada por preconceitos na mídia e na comunidade médica contra estudos negativos. A mídia não menciona estudos negativos talvez porque eles pareçam ser inconseqüentes.

 

Esta omissão é então composta porque jornais médicos são menos prováveis de publicarem estudos que tenham resultados negativos e os cientistas são menos prováveis de submetê-los a publicação.

 

Preconceitos e conflitos de interesse

Para evitar estórias imprecisas, os repórteres precisam examinar a credibilidade e preconceitos das fontes científicas.

 

Tal verificação freqüentemente não é realizada, no entanto, possivelmente porque os repórteres são enganados quando os esforços de relações públicas de cientistas, instituições ou a indústria farmacêutica tornam-na em um estimulado descaramento.      

 

Cientistas ou instituições não estão erradas em convidar a imprensa para cobrir sua pesquisa ou achados; ao contrário, a mídia deve ser estimulada a providenciar cobertura de certas questões. Ao mesmo tempo, no entanto, os esforços de relações públicas devem ser acurados.

 

O Press Release

A competição entre instituições de pesquisa para cobertura médica, combinada com esforços similares por fabricantes de remédios e aparelhos e outros dispositivos médicos, resultam em que repórteres de notícias médicas sejam entupidos com kits de informação e outros materiais de fontes corporativas, instituições acadêmicas, jornais médicos e organizações profissionais. Estes materiais podem ser enganosos, algumas vezes significando nada mais do que sensacionalismo.

 

Pesquisadores podem prevenir imprecisões não admitindo conferências de imprensa para discutir dados preliminares e demandando uma revisão final e aprovação de releases de notícias para a imprensa.

 

Acesso a cientistas

As fontes maiores para a estória do repórter em um artigo de pesquisa ou apresentação são geralmente os próprios autores ou apresentadores. Os repórteres que desejam verificar tais estórias, entretanto, devem também falar com pessoas que possam criticar o trabalho. Para aumentar o acesso de repórteres a fontes críticas, jornais médicos poderiam publicar os nomes dos médicos revisores que gostariam de falar com eles. Quando a imprensa é convidada para encontros onde nos quais resumos de médicos revisores são apresentados, organizações patrocinadoras poderiam também providenciar nomes de revisores (se os revisores concordarem com esta prática). Alternativamente, jornais poderiam providenciar os nomes de especialistas que publicaram largamente no campo em relevância.

 

Os jornais médicos algumas vezes colocam editoriais que criticam o estudo, mas poucos estudos estão atualmente acompanhados de editoriais.

 

Revelação de conflitos de interesse

Em uma audiência para jornalistas deve ser dito de forma explícita se a fonte jornalística poderá se beneficiar financeiramente da atenção da mídia ou se a fonte é patrocinada ou empregada de uma instituição que se beneficiará. No entanto, tais conflitos de interesse não são muitas vezes aparentes para os repórteres ou suas audiências. Reportar conflitos potenciais de interesse é crucial porque isso capacita os leitores a julgarem a validade da reivindicação por eles mesmos.

 

A comunidade médica poderia fazer ainda mais; por exemplo, mais jornais poderiam requerer a autores para revelar os conflitos de interesse.

 

Falta de follow-up

O público é geralmente desinformado do processo científico e é provável que dê mais importância do que cientistas iriam dar para resultados de um único estudo. O público poderia ser informado de como a pesquisa médica trabalha se repórteres de notícias médicas gastassem mais tempo seguindo estórias em andamento e retornando a assuntos que foram inicialmente cobertos quando somente achados preliminares estavam disponíveis. Este follow-up geralmente não é feito, parcialmente porque editores e produtores não estão interessados em tais estórias e em parte porque os próprios jornalistas podem não apreciar como o processo científico acontece. Tais achados preliminares precisam ser testados em ensaios de larga escala ou que um estudo não cego ou não aleatório não carrega o peso de um estudo cego ou aleatório não é facilmente compreendido pelo público ou por jornalistas.

 

O potencial para um bom follow-up de uma reportagem sobre ciência é infelizmente diminuído por um ciclo envolvendo tanto jornalistas quanto cientistas. A mídia está desinteressada em estórias de follow-up; a comunidade científica toma esse desinteresse como significando que não deverá procurar cobertura de follow-up de pesquisas. De outro lado, jornalistas não ouvem sobre estudos confirmatórios, e o ciclo continua.

 

Estórias que não são cobertas

Alguns temas não são reportados na mídia porque a comunidade médica não deseja discutir problemas publicamente ou por medo de que jornalistas não os entenderão.

 

Como podem os jornalistas se tornar motivados a investigar áreas nas quais lhes falta perícia, e como podem cientistas e médicos ser encorajados para dividirem informação sobre problemas nos quais eles são os especialistas?

 

Tem sido argumentado que uma tarefa de profissionais de saúde pública é a de trabalhar com a mídia de uma forma pró-ativa para prevenir distorções e tornar as notícias da saúde mais compreensíveis.

 

Pressões corporativas para permanecer em silêncio

Seria ingênuo não reconhecer as muitas razões que os cientistas têm para serem relutantes em falar com repórteres.

 

A natureza competitiva da ciência e sua crescente interdependência com o mundo corporativo deixaram cientistas medrosos que se a imprensa (ou mesmo um colega) ficasse sabendo de uma pesquisa prematuramente, a notícia poderia afetar de forma adversa um investimento da companhia ou o mercado de ações para esse investimento.

 

Alguns cientistas dizem que este tipo de pensamento promove um grau de segredo que é desnecessário e imoral; outros argumentam que o segredo temporário pode ser necessário para gerar fundos de pesquisa. Em alguns casos a informação é escondida do público por causa da preocupação que interesses ocultos possam ir contra os pesquisadores.

 

É compreensível que cientistas que trabalham em tais ambientes possam não desejar falar abertamente com repórteres.

 

Porém, o silêncio resultante reduz o potencial para uma cobertura efetiva da mídia”.

 

De outro lado é cada vez maior o anúncio de produtos diretamente aos consumidores pela indústria farmacêutica, o que pode comprometer a fonte que tem incentivo financeiro para promover a informação. Isso inclui a mídia em geral onde, boa parte de sua renda em anúncios é originada de produtos relacionados com a indústria médica.

 

Shannon Brownlee nota em artigo publicado no Jornal Washington Post que os anúncios pela indústria farmacêutica e hospitais, muitas vezes publicados de forma não distinguível do conteúdo editorial das revistas e jornais onde aparecem, exceto pelo requisito da palavra  "anúncio", que é impressa em tipo pequeno no topo da página, não estão vendendo um produto; eles estão vendendo esperança... (5).

 

Fora os aspectos citados acima, existe também o boicote dentro da área médica e científica e pela imprensa em geral a tratamentos e teorias médicas que não interessam ao “status quo”. 

 

Aliás, recentemente, o Comitê Internacional de Editores de Jornais Médicos, em artigo publicado em diversas revistas (ex: JAMA, New England Journal of Medicine, The Lancet, etc..), informam sobre sua nova política de registro de testes clínicos, admitindo, indiretamente, a existência de boicotes a alguns trabalhos científicos, dando a seguinte declaração:

 

"Sem restrição a seu interesse científico, o resultado de testes que colocam os interesses financeiros em risco são particularmente possíveis de permanecerem não publicados ou serem escondidos da vista do público"

 

Um exemplo de boicote é o que está ocorrendo com a Teoria Miogênica do Enfarte do Miocárdio. Para maiores informações veja em http://www.infarctcombat.org/OBoicote/icem.html

 

Bibliografia:

1. Moynihan R e Sweet M - Medicine, the media and monetary interests: the need for transparency and professionalism, Med J Aust, 2000 Dec; 173(11-12):631-4

2. Moynihan R, Bero L, Soumerai SB e col. – Coverage by the news media of the benefits and risks of medications, N Engl J Med 2000 Jun;342(22):1645-50

3. Robert Steinbrook – Editorial: Medical journals and medical reporting, Med 2000 Jun;342(22)

4. Miriam Shuchman e Michael S Wilkes – Medical scientists and health news reporting: a case of miscommunication, Annals of Internal Medicine 1997 Jun;126:976-982

5. Shannon Brownlee - Health, Hope and Hype, Washington Post Sep 8, 2003

6. Clinical Trial registration: A Statement from the International Committee of Medical Journal Editors, NEJM, Sep 16, 2004, V 351; N 12: 1250-1251

 

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