Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

Cateter Swan-Ganz: Uso defensável?

 

O cateter arterial pulmonar Swan-Ganz, uma ferramenta diagnóstica lançada na década de 70 como uma forma de identificar a disfunção ventricular esquerda a beira do leito, e que mede pressões ventriculares e débito cardíaco além de prover outras informações que servem para monitoração fisiológica e guia da terapia nos pacientes em estado grave, internados em unidades de terapia intensiva, continua a ser utilizado rotineiramente até os dias de hoje, tanto como primeiro quanto como último recurso. Isto, apesar de diversos estudos realizados a partir da década de 80, apontarem falta de benefícios e sugerirem um aumento de mortalidade associado a seu uso (1,2,3,4).

 

Estudo observacional prospectivo publicado no Journal of the American Medical Association em 1996 (5), e que envolveu 5735 pacientes adultos em estado crítico, de 5 hospitais de ensino americanos, no período de 1989-1994, comparou os resultados daqueles que receberam o cateter pulmonar com outros que não foram submetidos a seu uso. O resultado encontrado foi de que a mortalidade, o tempo de permanência na UTI e os custos hospitalares, foram bem maiores no uso do cateter pulmonar. Editorial que acompanhou o artigo no JAMA (6) lembrou os estudos prévios que mostraram altas taxas de mortalidade e enfatizou a falta de estudos prospectivos sobre este procedimento. Este editorial recomendou um teste apropriado para ajustar o argumento e, em sua falha, chamar o FDA (Foods and Drugs Administration) para emitir uma moratória no uso dos cateteres de fluxo direto.  

 

Outro editorial discutindo o estudo americano (5) o qual teve o sugestivo título de “O Canto do Cisne para o Cateter Swan (Cisne)-Ganz?” foi publicado em 1996 pelo British Medical Journal. Nele foi apontado que poucos médicos desejariam ficar sem essa ferramenta mesmo com o consenso geral de que os benefícios do uso do Swan-Ganz sejam geralmente exagerados e de que a técnica é potencialmente agressiva.  Além disso, existiria um abuso do cateter e que as expectativas com seu uso excederiam a realidade, e por isso deveriam ser reavaliados e racionalizados. No editorial do BMJ foi contemplada a possibilidade de que o cateter talvez não fosse o culpado, e sim o tratamento resultante das informações por ele fornecidas. (7)

 

Em 1997 o uso do cateter pulmonar chegou a sofrer intensos debates, pró e contra seu uso, inclusive pela Fundação de Anestesia para a Segurança do Paciente (8). Posteriormente, o assunto ficou em suspenso até a publicação de estudos mais completos.  

 

Nos últimos anos voltou-se a discutir sobre o cateter pulmonar pela publicação de novos estudos, dessa vez através de testes aleatórios e controlados, desenvolvidos para constatar se existem benefícios da terapia no seu uso. 

 

Estudo publicado em 2002 procurou verificar os resultados clínicos e de sobrevida de pacientes em estado crítico tratados com o uso do cateter pulmonar, comparativamente a outro grupo de pacientes tratados sem seu uso. Este estudo envolveu 201 pacientes no período de outubro de 1997 a fevereiro de 1999. O resultado foi que não houve diferença significativa na mortalidade entre o grupo que recebeu o cateter (n=95) e o grupo de controle (n=106). Entretanto, os pacientes que receberam o cateter foram significativamente hiper hidratados nas primeiras 24 horas e acometidos de um expressivo aumento na incidência de insuficiência renal (35 versus 20% dos pacientes no terceiro dia) (9).

 

Outro estudo publicado em 2003 envolveu 1994 pacientes de alto risco com mais de 60 anos de idade sendo escalados para cirurgias de grande porte, urgentes ou eletivas, seguidas de internação na UTI. Do grupo de 997 pacientes que se submeteram à cirurgia sem o uso do cateter pulmonar 77 pacientes faleceram no hospital (7.7%) em comparação com 78 de 997 pacientes nos quais o cateter pulmonar foi usado (7.8%). As taxas de sobrevida em 6 meses entre os pacientes do grupo de controle e aqueles que usaram cateter foram respectivamente de 88.1% e 87.4%. Entretanto, o estudo mostrou um substancial aumento de embolia pulmonar nos pacientes que usaram o cateter. Na conclusão do artigo os autores disseram que não acharam nenhum benefício para a terapia dirigida pelo cateter arterial pulmonar comparado ao cuidado padrão no idoso, nos pacientes de alto risco que requereram cuidado intensivo (10).

 

Ao contrário dos últimos estudos onde não aconteceram diferenças significativas na mortalidade entre pacientes que receberam cateter e os que não os utilizaram, estudo desenvolvido durante um período de 5 anos, 1995-2000, envolvendo um total de 360 pacientes os quais se submeteram ao cateter pulmonar no primeiro dia de UTI, foram comparados com 690 pacientes de um grupo de controle sem o uso do cateter. O resultado foi uma mortalidade de 27.0% no grupo de controle e de 36.7% no grupo que usou cateter.  Os autores concluíram que o uso do cateter no primeiro dia de admissão em uma UTI está associado a um risco aumentado de óbito hospitalar (11).  

 

Referindo-se a alguns estudos recentemente publicados (8,9), os quais demonstraram que o uso do cateter pulmonar não aumenta a sobrevida, artigo publicado em abril de 2003 ponderou que, com base nas evidências presentes na literatura, o uso de rotina do cateter arterial pulmonar não pode ser mais defendido (12).

 

Sobretudo, quando existem dúvidas sobre qual a fórmula correta para uma prescrição apropriada, no monitoramento fisiológico de pacientes internados na UTI. Segundo artigo, isto acontece e em larga proporção devido principalmente ao desconhecimento da utilidade das técnicas de monitoramento para diagnosticar os processos fisiopatológicos e o efeito resultante da terapia para reversão na maioria das doenças tratadas nas UTIs.  O autor conclui o artigo dizendo: "Conseqüentemente, o uso dessas técnicas de monitoramento no tratamento de pacientes em estado grave não podem ser vigorosamente defendidas, exceto sob condições específicas." (13) 

 

O não uso de novos instrumentos e novas técnicas médicas tem sido considerado por muitos como indefensável, antiético e de falha profissional, estando aí incluído o Swan-Ganz, quando é negada ao paciente a monitoração hemodinâmica.

 

A esse respeito Bernard Lown diz: "De fato, o medo de se cometer falha profissional na medicina tornou-se uma racionalização para indulgência excessiva em procedimentos lucrativos. A popularidade de um procedimento está em função de sua remuneração financeira. Quando o reembolso para o Swan-Ganz foi reduzido, da mesma forma que seu uso, o raciocínio clínico permaneceu mesmo assim inalterado." (14)

 

Nos EUA tem sido utilizados anualmente cerca de 1.2 milhões de cateteres do tipo Swan-Ganz, a um custo acima de US$ 2 bilhões de dólares (16).

 

E, como diz Callahan em artigo: "A tecnologia médica é uma faca de dois gumes, que é capaz tanto de salvar e melhorar a vida como também de terminar e prejudicar a vida. Encontrar o ponto de vista correto na direção da tecnologia requer um grande balanço e sensibilidade. Ela tem poderes de sedução por causa dos seus esperados benefícios, pressões sociais e profissionais para usá-la e uma freqüente confusão que resulta de confundir a santidade e valor da vida humana, com um suposto imperativo de sempre usar a tecnologia. O objetivo de uma boa medicina de cuidados críticos deveria ser estabelecer uma tensão significativa, particularmente no cuidado daqueles pacientes ameaçados de morrer, entre o objetivo de preservar a vida, de um lado, e tornando possível uma morte pacífica, de outro lado. Qualquer tendência automática em favor do uso da tecnologia irá ameaçar a última possibilidade." (15)

 

Estudo publicado em 2007 mostrou que o uso do cateter arterial pulmonar teve um decréscimo de quase 65% na última década nos EUA, possivelmente devido a crescente evidência de que esse procedimento invasivo não reduz a mortalidade (17).

 

Bibliografia:

 

1. Isaacson IJ et al. The value of pulmonary artery and central venous monitoring in patients undergoing abdominal aortic reconstructive surgery: a comparative study of two selected, randomized groups. J Vasc Surg 1990;12:754-60

2. Gore J et al. A community wide assessment of the use of pulmonary artery catheters in patients with acute myocardial infarction, Chest 1987;98:1331-5

3. Hayes M et al. Elevation of systemic oxygen delivery in the treatment of critically ill patients. N Engl J Med 1994;330:1717-22

4 Gattinoni L et al. A trial of goal oriented hemodynamic therapy in critically ill patients. N Engl J Med 1995;333:1025-32

5. Connors A et al. The effectiveness of right heart catheterization in the initial care of critically ill patients. JAMA 1996;276:889-97

6. Dalen J et al. Is it time to pull the pulmonary artery catheter? JAMA 1996;16:916-8

7. Neil Soni, Swan song for the Swan-Ganz catheter? BMJ 1996;313:763-764 (28 September)

8. Debate: The Pulmonary Artery Catheter, Is it Safe? Anesthesia Patient Safety Foundation, 1997 (Newsletter)

9. Rhodes A et al. A randomized, controlled trial of the pulmonary artery catheter in critically ill patients. Intensive Care Med 2002 Mar;28(3):256-64.

10. Sandham JD et al. A randomized, controlled trial of the use of pulmonary-artery catheter in high-risk surgical patients. N Engl J Med 2003 Jan 2;348(1):5-14

11. Peters SG et al. Increased risk associated with pulmonary artery catheterization in the medical intensive care unit. J Crit Care 2003 Sep;18(3):166-71

12. de Jonge E et al. The value of the pulmonary-arthery catheter; not ruled out, but not proven either. Ned Tijdschr Geneeskd 2003 Apr 26;147(17):792-5

13. Pinsky MR. Rationale for cardiovascular monitoring.Curr Opin Crit Care 2003 Jun;9(3):222-4

14. Bernard Lown, The Lost Art of Healing. Book,Ballantine Publishing Group, 1999.

15. Callahan D. Living and dying with medical technology. Crit Care Med 2003 May;31 (5 Suppl):S344-6 

16.Dalen JR, The pulmonary artery catheter: friend, foe or accomplice. JAMA 2001;286:348-350

17. Trends in the use of the pulmonary artery catheter in the United States: 1993-2004.Wiener RS, Welch HG, JAMA 2007;298:423-429

 

Seção Polêmicas