Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

Memórias sobre nossa contribuição para a cirurgia de aneurisma do coração (Aneurismectomia Ventricular) praticada por Bailey em 1954

Quintiliano H. de Mesquita

 

Quando já havíamos acompanhado o desenrolar de 4 casos de Aneurisma ventricular pós enfarte e o penoso final do último deles com insuficiência cardíaca irredutível; diagnosticados naquele tempo através do ECG e RX, vínhamos inclinados a provocar os cirurgiões de então, para que ousassem praticar a aneurismectomia ventricular.

Assim, quando descobrimos o nosso 5º caso de aneurisma ventricular comprometendo a face anterior e atingindo o apex do ventrículo esquerdo e temendo sua evolução para a irredutível insuficiência cardíaca congestiva, recomendamos ao paciente que, em sua viagem já programada a Boston, procurasse consultar o Paul Dudley White a respeito daquela complicação. O paciente não encontrando o Doutor White que, na ocasião se achava em viagem pela América do Sul e inclusive pelo Brasil, onde o assistimos em sua conferência na Associação Paulista de Medicina; foi atendido por seu assistente E. F. Bland que chegou a orienta-lo clinicamente e o submeteu a colecistemia por litiase biliar; quanto ao aneurisma ventricular respondeu-nos que nada poderia ser feito até aquela data. De volta ao Brasil, por via marítima, desembarcou em Santos já com os primeiros sinais e sintomas de insuficiência cardíaca congestiva.

Consultamos o Doutor Eurico Bastos, um grande mestre de Cirurgia e Técnica Operatória da Faculdade de Medicina da USP sobre a viabilidade de cirurgia que, a nosso ver, consistiria de pinçamento puro e simples da região aneurismática e retirada do pedaço afetado, seguida por sutura como se faz em um estômago. O Prof. Eurico Bastos não aceitou a idéia porque temia a possibilidade de ocorrer uma deiscência miocárdica, aspecto esse não aceito por nós, tendo em vista a grande vascularização do miocárdio íntegro limítrofe.

A pedido do próprio paciente e maior interessado na própria sobrevivência apelamos então para 2 grandes Mestres norte-americanos: Claude S. Beck e Charles P. Bailey. O 1º prontificava-se a realizar um reforço na parede aneurismática, criando como que um "manchão de câmara de ar"; enquanto o 2º, dispunha-se a realizar a aneurismectomia pura e simples como imaginávamos e que foi logo aceita por nós e pelo paciente, por representar uma tentativa real para a correção absoluta da lesão anatômica e daquele estado funcional que seria irreversível, já observado nos casos anteriores (Foto da carta de Charles Bailey).

O paciente aceitaria a nossa decisão desde que o acompanhássemos até Philadelphia para a cirurgia, o que foi feito, sendo operado em Abril de 1954 com pleno sucesso.

Assistimos o ato cirúrgico, numa época em que não havia ainda a máquina de circulação extracorpórea, o tórax era aberto e o pulmão entubado era mantido sob controle manual pelo anestesista.

O cirurgião usando uma enorme pinça isola o pedaço aneurismático, recorta-o e nos surpreendeu quando recobriu nossa mão direita com o retalho retirado do ventrículo.

Do controle eletrocardiográfico, durante o ato cirúrgico, com o aparelho registrando o traçado, ainda não havia monitor, não foi notada sequer o aparecimento de extrassistole ventricular durante o pinçamento do aneurisma, retirada do retalho e na sutura da parede ventricular.

O paciente recuperou-se rapidamente e foi suspenso o uso do cardiotônico, pouco tempo depois, porque a função cardíaca havia sido restaurada com a cirurgia de reconstrução do coração.

 

Praticada a cirurgia pioneira por Charles P. Bailey e aberta assim essa nova picada, logo depois alargada em todo o mundo, partindo da necessidade de um cardiologista em luta para dar o melhor a seu paciente realmente condenado à morte próxima.

Necessitávamos do recurso cirúrgico radical e encontramos eco no decidido cirurgião. Assim, foi iniciada vitoriosa técnica cirúrgica que correspondeu plenamente à finalidade precípua da cirurgia radical e de resultados duradouros e não competitiva e repetitiva como acontece nas próteses valvares e de pontes de safena. Hoje em dia são operados desde os falsos e verdadeiros aneurismas ventriculares até regiões ventriculares apenas acinéticas e sem indicação cirúrgica, constituindo reparação plástica para a perfeição morfológica da silhueta cardíaca.        

Bibliografia:

1) Bailey, C. P. - Surgery of the heart, Lea & Feliger, Philadelphia, 1955.

2) Mesquita, QHde - Aneurisma do coração, Casuística, Apresentação do caso operado por Bailey, Revista do Hospital Matarazzo,1956,9:151-197; Trabalho apresentado no XII Congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia, em Julho de 1955, São Paulo, Brasil.

 

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