Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

Cirurgia de Ponte de Safena no Idoso:

Prática Baseada em Evidência ou em Muita Fé?

 

A indicação da cirurgia de ponte de safena para pacientes acima de 80 anos está cada vez maior, quebrando-se a barreira psicológica existente para a cirurgia quando se ultrapassava esta etapa da vida, tanto pelos pacientes idosos como pelos seus médicos.

 

Esta indicação tem sido apoiada por uma avalanche de estudos e comentários recentes (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10), onde os autores procuram demonstrar os benefícios proporcionados pela cirurgia de ponte de safena, com ênfase na questão da qualidade de vida, tentando assim justificar sua prática. De outro lado existe uma tendência generalizada do uso de tratamentos invasivos e de alto custo em detrimento do tratamento médico, além da rápida expansão da população de idosos na maioria dos paises ocidentais.

 

Entretanto, nem todos os estudiosos concordam com tais interpretações ou conclusões. Os Doutores MacDonald, Johnstone e Rockwood, em artigo publicado no Jornal da Associação Médica Canadense (9), perguntaram se a decisão da realização da cirurgia de ponte de safena em pacientes idosos estaria apoiada pela evidência ou simplesmente na fé.

Citaram diversos estudos que demonstram alta freqüência de mortalidade peri-operatória e de complicações além de baixas taxas de sobrevida no longo prazo entre pacientes idosos na comparação com pacientes mais jovens. Notaram também que os custos do tratamento cirúrgico são maiores em pacientes idosos do que em pacientes mais jovens.

MacDonald e colegas observaram ainda que:

a) Tendo em vista o risco de mortalidade e morbidade associadas à cirurgia de ponte de safena em pacientes idosos e a falta de dados quanto a sua efetividade quando comparados com a terapia médica corrente, a cirurgia de ponte de safena em pacientes idosos deveria ser reconsiderada.

b) Para muitos idosos existe um destino pior do que morrer. Complicações peri-operatórias e eventos pós-operatórios, que podem comprometer a qualidade de vida em pacientes idosos submetidos à cirurgia de ponte de safena, sugerem precaução quando se extrapolam dados de pacientes mais jovens aplicando-os nos pacientes mais velhos.

c) A qualidade de vida experimentada por pacientes idosos após a cirurgia de ponte de safena não foi bem estudada e quando o estudo aconteceu foi através de projetos retrospectivos e em pequenas amostras, com uma variedade de tipos de questionários sobre qualidade de vida.

d) A medida dos resultados deve ser simples, mas focar tanto em quantidade como em qualidade de vida.

 

A publicação de Alexander KP e colegas do Duke Clinical Research Institute (10) nos dá alguma idéia quanto à mortalidade e morbidade hospitalar em pacientes acima de 80 anos. Estes autores relataram a mortalidade e morbidade hospitalar em 67,764 pacientes (4,743 octagenários) que se submeteram à cirurgia cardíaca em 22 centros (National Cardiovascular Network). O resultado foi que os pacientes octogenários tiveram uma mortalidade significativamente alta após a cirurgia de ponte de safena isolada do que os pacientes mais jovens. (8.1% versus 3.0%). No computo geral, incluindo os casos de cirurgia de ponte de safena onde houve troca simultânea de válvula aórtica ou mitral, os pacientes acima de 80 anos tiveram o dobro da incidência de derrame pós-operatório e insuficiência renal do que pacientes mais jovens.

 

Quanto a mortalidade anual, estudo feito pela Universidade de Emory (13), EUA, durante vinte anos após a cirurgia de ponte de safena, mostra que nos pacientes acima de 70 anos de idade no tempo da cirurgia inicial, ela foi de 4,5% ao ano (89% de mortalidade em 20 anos)  

 

Entre outros trabalhos publicados que apóiam a cirurgia de ponte de safena em idosos temos o dos investigadores do TIME (8), que fizeram uma comparação entre o tratamento médico (150 pts) e o invasivo (155 pts) através de revascularização coronária (cirurgia de ponte de safena ou angioplastia coronária percutânea transluminal, com ou sem stent) em pacientes com angina estável. Relataram em seu estudo que os pacientes acima de 75 anos se beneficiaram mais da revascularização do que do tratamento médico. Isto, apesar dos dados mostrarem uma freqüência com o dobro de mortalidade no grupo invasivo do que no grupo tratado medicamente. A freqüência de óbito e enfarte do miocárdio também foi maior no grupo invasivo. Os autores enfatizam que o principal objetivo de seu estudo não foi o de comparar o óbito e enfarte do miocárdio nos dois grupos e sim a qualidade de vida após 6 meses. Disseram ainda que a quantidade de óbitos acontecidos no grupo invasivo não foi muito significativa. Concluem dizendo que seus achados sugerem que seja oferecida uma avaliação invasiva para este tipo de pacientes, a despeito de seu perfil de alto risco cardíaco.

 

Wilbert Aronow (11) em comentário na mesma edição do Lancet, endossando os resultados dos investigadores do TIME, propõe uma mudança na prática clínica com o uso rotineiro do exame angiográfico à pacientes com mais de 75 anos que sofram de angina, com vistas a revascularização coronária.

 

Sobre o aspecto da melhoria na qualidade de vida, clamado para a cirurgia de ponte de safena, fazemos algumas considerações:

I - Como dizer que a cirurgia de ponte de safena melhora a qualidade de vida quando estão documentados em vários estudos uma alta incidência de derrames, desordens cognitivas, mortalidade ou enfarte no peri-operatório, alívio temporário dos sintomas da angina e taxas mais altas de morbidade e mortalidade no curto, médio e longo prazo?

II - Como pode ser valorizado o aspecto da qualidade de vida, quando se é colocada à própria vida em risco?

III- Como desconhecer que alguns tratamentos médicos usados na doença coronária têm alcançado índices de mortalidade menores do que 1.5% ao ano, isto é, muito mais baixos do que os tratados através de cirurgia de ponte de safena ou angioplastia coronária? (12)

 

Bibliografia:

1. News roundup – Bypass surgery can be safe for octogenarians, BMJ 2001; 323:712

2. Kelly M Smith et al – Outcomes and costs of coronary artery bypass grafting: comparison between octogenarians and septuagenarians at a tertiary care center, CMAJ 2001;165(6):759-64

3. Kolh P et al - Cardiac surgery in octogenarians; peri-operative outcome and long-term results, Eur Heart J 2001 Jul, 22(14):1235-43

4. Shapira I, Pines A, Mohr R – Updated review of the coronary artery bypass grafting option in octogenarians: good tidings, Am J Geriatr Cardiol 2001 Jul; 10(4):199-204

5. Sakamoto S et al - Coronary artery bypass grafting in octogenarians, Cardiovasc Sur 2001 Oct; 9(5):487-91

6. Shigemitsu O et al – Early and long term results of cardiovascular surgery in octogenarians, Ann Thorac Cardiovasc Surg 2001 Aug; 7(4):223-31

7. Demaria R et al – Results of coronary surgery in octogenarians, Arch Mal Coeur Vaiss 2001 Jul;94 (7):659-64

8. Trial of invasive versus medical therapy in elderly patients with chronic symptomatic coronary-artery disease (TIME): a randomised trial. The TIME Investigators, Lancet 2001 Sep 22; 358 (9286):945-6.

9. Paul MacDonald, David Johnstone, Kenneth Rockwood - Coronary artery bypass surgery for elderly patients: Is our practice based on evidence or faith?, CMAJ 2000 April; 162: 1005-6.

10. Outcomes of cardiac surgery in patients > or = 80 years: results from the National Cardiovascular Network. J Am Coll Cardiol 2000 Mar 1;35(3):731-8

11. Aronow WS. Approach to symptomatic coronary disease in the elderly: Time to change? Lancet 2001 Sep 22; 358: 945-46

12. Cardiotônico na coronariopatia garante estabilidade transformando enfarte em evitável acidente de percurso (polêmica-20)

13.William S. Weintraub et al, Twenty-Year After Coronary Artery Surgery. An Institutional Perspective From Emory University. Circulation, (Published online before print February 17, 2003)

 

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