Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

Controvérsias e Remendos na Teoria Trombogênica do Infarto Agudo do Miocárdio

 

Será que estamos simplesmente aprendendo mais e mais sobre menos e menos? Thomas N. James, 2000 (1)

 

Thomas James em artigo prestando uma homenagem a James Herrick, autor da Teoria Trombogênica desenvolvida em 1912,  destacou a pouca apreciação existente de que as causas complexas do infarto agudo do miocárdio fatal incluem muito mais fatores, do que simplesmente a oclusão de uma artéria coronária (1).

 

Para Attilio Maseri os desencadeadores de uma súbita e imprevisível transição da doença arterial coronária estável, sintomática ou crônica, para a instabilidade coronária com o desenvolvimento de síndromes coronárias agudas, continuam a ser matéria de especulação. Também que tais desencadeadores possivelmente seriam múltiplos e não necessariamente os mesmos em todos os pacientes. Conforme Maseri isto se deve a uma visão reducionista* que tende a focar em detalhes cada vez mais finos de um mecanismo patogênico comum e único, largamente relacionado a progressão gradual do processo de aterosclerose. Adicionalmente diz que essa visão é baseada na presunção de que a instabilidade coronária súbita é meramente uma conseqüência dos mesmos mecanismos envolvidos na aterogênese, ou de sua exacerbação, e que ela não explica facilmente a relação inconsistente entre a severidade da doença aterosclerótica coronária e o desenvolvimento de síndromes coronárias agudas e/ou as apresentações clínicas variadas e a evolução temporal dessas síndromes (2).

 

Joseph Loscalzo, diz em artigo: “Por mais gratificante ou interessante que seja o uso da biologia reducionista na identificação das determinantes do mecanismo em particular, esse paradigma analítico padrão é falho por sua própria natureza, pois não leva em conta que os sistemas biológicos são sistemas complexos nos quais parâmetros simples, concebivelmente, não podem mudar de forma isolada. A estabilidade nas condições controladas é uma construção experimental artificial que, enquanto essencial para a investigação científica convencional, altamente limita a capacidade de alguém em apreciar as nuances nas respostas de um sistema no qual uma simples perturbação gera uma resposta em rede de uma multidão de elementos interativos...” (3).

 

Em 2003 um grupo de médicos norte-americanos lançou um novo documento de consenso (4, 5) que procura adaptar o conceito da Teoria Trombogênica clássica. Sua conclusão:

A) As placas propensas à ruptura não são as únicas placas vulneráveis. Todos os tipos de placas aterocleróticas com alta probabilidade de complicações trombóticas e rápida progressão devem ser consideradas como placas vulneráveis. Nós propomos uma classificação tanto para a avaliação clínica quanto patológica das placas vulneráveis.

B) As placas vulneráveis não são os únicos fatores culpados pelo desenvolvimento de síndromes coronárias agudas, infarto do miocárdio e morte súbita. Sangue vulnerável (propenso a trombose) e miocárdio vulnerável (propenso a arritmia fatal) têm um importante papel nos resultados. Portanto, o termo “paciente vulnerável” talvez seja o mais apropriado e é proposto nesse consenso para a identificação de pessoas com alta probabilidade de desenvolverem eventos cardíacos no futuro próximo.

C) Um método quantitativo para avaliação do risco cumulativo de pacientes vulneráveis precisa ser desenvolvido de forma que possa incluir variáveis baseadas na placa, no sangue, e na vulnerabilidade miocárdica.

 

Artigo de Attilio Maseri e Valentin Fuster (6), tratando dos conceitos recentemente desenvolvidos sobre placas vulneráveis ou de alto risco e pacientes vulneráveis, que conforme os autores ainda se encontram em evolução e apresentando diversos questionamentos, diz: “Até que os múltiplos desencadeadores das síndromes coronárias agudas, seus componentes patogênicos e a probabilidade e decorrer do tempo de suas vulnerabilidades sejam mais claramente entendidos, tentativas de traduzir esses conceitos para dentro da prática clínica deverão ser consideradas com grande precaução".

 

Em 2004 Kristian Thygesen e Barry Uretsky disseram que a alta prevalência de correlatos histológicos de isquemia aguda em estudos de autopsia de insuficiência cardíaca e infarto do miocárdio dá ênfase a importância de se desenvolverem estratégias para lidar com a doença cardíaca além do tratamento da estenose arterial coronária e para prevenir a isquemia aguda em ordem de decrescer a incidência da morte cardíaca súbita (10). Tal assertiva já vinha sendo colocada há anos por outros pesquisadores que apresentaram diferente ponto de vista (11).

 

Além de descobertas como a da vulnerabilidade pan-coronária, com a presença de mais de uma placa vulnerável em pacientes com risco de eventos cardiovasculares (7), temos ainda outros achados recentes que conflitam com o raciocínio mecanístico simples da Teoria Trombogênica:

1) A confirmação do estresse emocional como um dos desencadeadores do infarto agudo do miocárdio (8, 18).

2) Que a instabilidade da placa ocorre freqüentemente dias ou semanas antes da trombose coronária oclusiva. Em pacientes submetidos a angioplastia coronária percutânea, dentro de até 6 horas do início dos sintomas, foram encontrados trombos recentes em apenas 49% deles (9). Os mesmos achados foram relatados em estudo anterior, que procurou avaliar o relacionamento entre o início da trombose coronária e o óbito cardíaco súbito e inesperado em adultos jovens (12)

3) A inflamação com larga ativação de neutrófilos através do leito vascular coronário em pacientes com angina instável, a despeito da localização da estenose culpada, também desafia o conceito de uma simples placa vulnerável nas síndromes coronárias instáveis, assim como estudo histopatológico que encontrou tanto nas placas vulneráveis ou estáveis, de pacientes falecidos de infarto agudo do miocárdio, infiltração difusa de células inflamatórias (13, 14)

4) O tamanho do enfarte não está relacionado a severidade da redução do lume aterosclerótico coronário e ao número de vasos principais com estenose grave; b) longa sobrevida (intervalo desde o início até o óbito) prevalece em enfartes maiores; c) fibrose miocárdica extensiva, como expressão de doença crônica, não se correlaciona com o tamanho do enfarte; e d) a freqüência de um trombo oclusivo é significativamente maior em enfartes maiores suportando sua formação secundária (16).

5) Estudo recente mostra que 2/3 das mulheres com doença cardíaca não apresentam bloqueios arteriais na angiografia coronária (17).

6) Estudo publicado em 1985 por Quintiliano H de Mesquita apresentou 86 casos de enfarte agudo do miocárdio frente a coronárias angiograficamente normais (12 pts.), coronárias com lesões insignificantes (<50%, 13 pts.), coronárias normais com fluxo lento (7 pts) e coronárias estenoticas pérvias (<50%, 54 pts.) sendo 27 casos de 1 coronária lesada, 16 casos de 2 coronárias lesadas e 11 casos de 3 coronárias lesadas, diagnosticados do ponto de vista clínico, eletrocardiográfico e enzimático; sendo 70 casos de enfarte transmural e 16 casos de enfarte não transmural. A ocorrência do enfarte miocárdico frente a coronárias angiograficamente normais ou estenóticas pérvias mostrado nesse estudo enfraqueceu o conceito trombogênico e robusteceu o conceito do mecanismo fisiopatológico miogênico e da necessidade do emprego do cardiotônico na instalação do enfarte agudo do miocárdio (19).

 

Outro estudo recente demonstrou que a aspiração de trombos com o cateter intracoronário, realizado como uma terapia adjuvante em pacientes de alto risco, com oclusão total da parte proximal das artérias coronárias principais, não decresce o tamanho ou severidade do infarto e não tem efeito regional no ventriculo esquerdo e função global (20). Este estudo é mais um a colocar a teoria trombogênica em cheque, absolvendo o trombo como culpado pelo infarto do miocárdio.

 

Os dados acima, possivelmente, demonstram a inutilidade de algumas terapias de uso corrente.

 

Quanto a outras controvérsias sobre a Teoria Trombogênica, sugerimos a leitura do artigo “A Teoria Miogênica Explica”, publicado nesse website em 2000, por Quintiliano H. de Mesquita. Em http://www.infarctcombat.org/TMexplica.html

 

A Teoria Miogênica, que envolve um processo biológico mais complexo, caracteriza a trombose coronária como conseqüência eventual e não a causa do infarto agudo do miocárdio (LivroTM - download gratuito)

 

Mitos Correntes sobre a Placa Aterosclerótica Coronária em Humanos (15)

  1. O modelo de hipercolesterolemia e condições correspondentes humanas não representam a história natural da aterosclerose em artérias coronárias na população em geral.

  2. O espessamento fisiológico da íntima não pode ser interpretado como o ponto de início do processo aterosclerótico.

  3. A estria gordurosa não representa a lesão aterosclerótica inicial.

  4. Calcificação não é sinônimo de estenose grave.

  5. Hemorragia não é conseqüência de fissura endotelial.

  6. Prevenção de "inflamação" em macrófagos como fontes de substâncias capazes de romper a cobertura fibrosa possibilitando a ruptura e trombose como também a identificação do espessamento da cobertura fibrosa para diagnóstico de uma placa vulnerável podem ter pouco, ou nenhum, senso. A ruptura e trombose podem ser fenômenos secundários e não a causa de uma síndrome coronária aguda.

  7. O grau e número de placas coronárias graves não predizem o início, curso, complicações e óbito na doença arterial coronária.

*Reducionismo

Durante os últimos 50 anos a posição dominante na biologia experimental tem sido o reducionismo que se baseia na idéia de que um sistema pode ser totalmente entendido em termos de suas partes isoladas. Seu oposto é a abordagem holística que dá ênfase ao organismo como um todo e a interdependência de suas partes, dentro de uma visão mais sinergística.

 

A abordagem reducionista foi definida por Wyngaarden JB e Smith LH, em texto médico clássico do 17th Cecil Texbook of Medicine, WB Saunders, USA, 1985, como: “a exploração de detalhes, e os detalhes dos detalhes, até que todas as menores partes do mecanismo sejam expostas a um exame minucioso”. “Assim, ao invés de chegar na verdade integral, o cientista examina fenômenos pequenos, definidos e claramente separados...“.  

 

Veja também:

Referências

 

  1. Homage to James B. Herrick: A Contemporary Look at Myocardial Infarction and at Sickle-Cell Heart Disease, Special report, Thomas N. James. Circulation 2000;101:1874

  2. The evolution of the discipline of vascular biology, Editorial, Joseph Loscalzo. Circulation Research 2003;93;583

  3. The transition from stable to unstable coronary artery disease: a key research target, Editorial, Attilio Maseri. Ital Heart J 2003;4(5):345-346

  4. From Vulnerable plaque to vulnerable patient – A call for definitions and risk assessment strategies: Part I, Morteza Naghavi et al. Circulation 2003;108:1664

  5. From Vulnerable plaque to vulnerable patient – A call for definitions and risk assessment strategies: Part II, Morteza Naghavi et al. Circulation 2003;108:1772

  6. Is there a vulnerable plaque? Attilio Maseri and Valentin Fuster. Circulation 2003;107:2068

  7. Multiple atherosclerotic plaque rupture in acute coronary syndrome: a three-vessel intravascular ultrasound study. Rioufol G, Finet G et al. Circulation. 2002 Aug 13;106(7):804-8.

  8. O estresse mental no desencadeamento do infarto agudo do miocárdio (ICEM, 2005)

  9. Plaque instability frequently occurs days or weeks before occlusive coronary thrombosis. A pathological thrombectomy study in primary percutaneous coronary intervention, Saskia Z. H. Rittersma et al.  Circulation. 2005 Mar 8;111(9):1160-5.

  10. Acute ischemia as a trigger of sudden cardiac death, Kristian Thygesen e Barry F Uretsky. European Heart Journal Vol 6 Suppl D (August 2004)

  11. Miocardiopatia isquêmica, Mesquita QHM (artigo)

  12. Sudden unexpected death in young adults. R. Henriques de Gouveia, A. C van der Wal, et al. European Heart Journal (2002) 23, 1433-1440

  13. Widespread coronary inflammation in unstable angina, Buffon A, Biasucci LM et al N Engl J. Med. 2002 Jul 4;347(1):5-12

  14. Diffuse and active inflammation occurs in both vulnerable and stable plaques of the entire coronary tree. A histopathologic study of patients dying of acute myocardial infarction, Mauriello A, Sangiorgi G et al. J. Am Coll of Cardiol, May 17, 2005, V45; 10: 1585-1593

  15. Ultrasound imaging versus morphopathology in cardiovascular diseases. Coronary atherosclerotic plaque, Giorgio Baroldi et al. Cardiovascular Ultrasound 2004; 2: 29

  16. Ultrasound imaging versus morphopathology in cardiovascular diseases. Myocardial cell damage, Giorgio Baroldi. Cardiovascular Ultrasound 2005, 3:32 October 6

  17. Some thoughts on the vasculopathy of women with ischemic heart disease, Pepine CJ et al. (WISE Study). J Am Coll Cardiol 2006 Feb 7; 47 (3 Suppl): S30-5

  18. Pathophysiological processes underlying emotional triggering of acute cardiac events, Phillip C Strike, Andrew Steptoe et al. PNAS, March 14 2006 

  19. Implicações fisiopatológicas e terapêuticas do infarto agudo do miocárdio frente a coronárias angiograficamente normais ou com lesões pérvias, Mesquita QHde, RBM Cardiol 4(4): 187-8, 191-2, agosto 1985

  20. Effect of thrombus aspiration on infarct size and left ventricular function in high-risk patients with acute myocardial infarction treated by percutaneous coronary intervention. Results of a prospective controlled pilot study. Janusz Lipiecki,Séverine Monzy, et al. American Heart Journal, Volume 157, Issue 3, Pages 583.e1-583.e7 (March 2009).

 

Atualizada em Março, 2009

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