Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

Postura da Ortodoxia Cardiológica Frente à Teoria Miogênica

 

Reproduzimos abaixo alguns trechos do livro “Remédio Boicotado Substitui Cirurgia da Ponte de Safena” (1996) de autoria do Doutor Quintiliano de Mesquita, onde ele reclama no capítulo Postura da Ortodoxia Frente à Teoria Miogênica, do sistemático boicote sofrido por seus pares dentro do ambiente médico. Evitamos, entretanto, transcrever aqui os episódios relacionados diretamente aos boicotes sofridos pelo autor.

 

“Desde que iniciamos nossos ensaios clínicos, com o emprego do cardiotônico nos três estágios da coronário-miocardiopatia, a surda, silenciosa e omissa ortodoxia, tem se mantido indiferente e incrédula, com receios de repetir tais estudos e ficar perturbada ou confusa, frente aos mesmos registros que temos apreciado, com resultados sempre promissores e de benéficas transformações na evolução clínica e longa sobrevida.

 

Aos menos avisados ou ignorantes sobre a literatura existente, a fantasia experimental dava a impressão de que o cardiotônico, no enfarte agudo, seria um medicamento condenado, capaz de aumentar a área do enfarte e gerar outras complicações.

 

Tivemos o cuidado de rever toda a literatura especializada sobre cardiotônico e enfarte agudo do miocárdio, a partir do 1º trabalho de Herrick (JAMA, 1912;59:2015) que, dizendo ser o enfarte miocárdico causado pela trombose coronária fazia, no entanto, verdadeira apologia sobre o cardiotônico como a forma de tratamento mais vantajosa. De modo que, ao mesmo tempo em que procurávamos contestar a trombose coronária como causa do enfarte miocárdico, prazerosamente tivemos de situar Herrick como o primeiro a empregar o cardiotônico nesta condição.

 

Curiosamente, em toda a revisão dos trabalhos que se aventuraram a especular sobre o enfarte do miocárdio, tratado com o emprego do cardiotônico, não encontramos a menor referência, sequer, a efeitos deletérios do mesmo; registrando-se, na verdade, um grande entusiasmo motivado pela evolução clínica favorável e mortalidade menor.

 

Nos últimos anos, até mesmo a experimentação em animal tem demonstrado que através de melhores técnicas de avaliação dos efeitos, não se tem registrado o propalado aumento de consumo de oxigênio isolado, mas, sim, efeitos compensadores, que destacam benefícios e restauração do inotropismo miocárdico, reconhecidamente afetado pela isquemia (Puri, Am J Cardiol,1974;33:521); (Kerber e col, Circulation, 1974;49:1038); (Banka e col., Am J Cardiol, 1975;35:801); Vatner e Baig, Circulation, 1978;58:654).

 

Todavia, a ortodoxia silenciosa, surda e omissa, teima em ignorar o que vem sendo acumulado em favor do cardiotônico, no enfarte agudo do miocárdio, o que para nós não tem mais sentido; daí, as implicações clínicas decorrentes dos ensaios farmacológicos da experimentação, não traduzirem a realidade humana.

 

A elaboração da Teoria Miogênica do Enfarte do Miocárdio e a indicação do cardiotônico como o tratamento específico do processo miogênico primário – insuficiência miocárdica regional – desencadeante do enfarte agudo; certamente, iria nos colocar em posição de enfrentar a ortodoxia, desgraçadamente omissa e silenciosa; mas não teríamos outra alternativa.

 

A diferença entre nós e os muitos outros que se utilizaram do cardiotônico, nos diversos estágios da coronário-miocardiopatia crônica e conseqüente degradação segmentar miocárdica, é que o cardiotônico representa para nós uma imperiosa imposição; decorrente do mecanismo fisiopatológico considerado essencial e, especificamente, como um processo de regionalização de falência miocárdica. Portanto, seria necessário testar-se a administração do cardiotônico, que se nos apresentava segura, porque no passado, os numerosos casos de insuficiência cardíaca, complicando o enfarte agudo do miocárdio, tinham sido beneficiados e salvos, especialmente com o emprego da Estrofantina, por via endovenosa.”

 

“Levamos os nossos primeiros resultados como Nota Prévia ao 28º Congresso Brasileiro de Cardiologia, Curitiba, 1972, sobre o novo tratamento das Anginas Instável e Estável, com o emprego da associação do cardiotônico e dilatador coronário, fornecendo o esboço da Teoria Miogênica do Enfarte Miocárdico.”

“No 29º Congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Fortaleza, 1973, foi apresentado o trabalho: Efeitos da Estrofantina K, de uso endovenoso, no tratamento do quadro clínico enfartante e do enfarte agudo do miocárdio; publicado na RBCTA, 1973;2:647-664.

 

Na apresentação do trabalho, preconizamos o abandono da atitude terapêutica em voga – contemplativa e sintomática – e a adoção da administração precoce da terapêutica cardiotônica específica, a fim de surpreender o processo miocárdico, ainda sob o predomínio da insuficiência miocárdica regional.”

 

“Eram decorridos 3 anos e nenhum cardiologista patrício se aventurara a verificar se os nossos achados seriam infundados ou não. Não podíamos atinar para o significado dessa omissão, uma vez que no passado recente havíamos assistido ao embarque de cirurgiões e cardiologistas do nosso meio, em verdadeiras “canoas furadas” como sejam a “ligadura de artérias mamárias”, “pó de asbestos no saco pericárdico” e “bypass aorta-seio venoso coronário (Beck I e II)”. Não aceitamos nenhuma dessas tentativas, mas, na época, foram largamente aplicadas, porque a ortodoxia acatara, principalmente, porque provinham dos EUA  e isto, entre nós, é o bastante para aceitação, adoção e consagração sem discussão. Isso também aconteceu de 1969 em diante, com a difusão e popularização da ponte aorto-coronária com veia safena e, também, implantação de artérias mamárias.”

 

“Quando esses desagradáveis fatos aconteciam aqui no Brasil, éramos distinguidos na Alemanha com a concessão do Prêmio Tradição Ernst Edens, pela Sociedade Internacional de Combate ao Enfarte, motivado pelas nossas duas primeiras publicações (1973), sobre o cardiotônico na Angina instável, Angina estável e no Enfarte agudo do miocárdio.

 

Recebemos o referido prêmio como estímulo e agradável distinção e impedimos a sua divulgação pela imprensa, porque não desejávamos atingir a vaidade daqueles nobres senhores, renomados cientistas patrícios que não admitem a projeção de qualquer fato que venha ferir o seu egocentrismo; não queríamos provocar suscetibilidades nem rivalidades, que pudessem prejudicar a nossa pesquisa em desenvolvimento; uma vez que já haviam ousado o boicote, mesmo sem qualquer promoção pessoal.

 

Para nós, o que nos anima é tão somente o sentimento de utilidade ao próximo; a vaidade cabe bem na falta de criatividade e da imaginação dos egocêntricos e na mediocridade estrategicamente situada e armada pelo poder”

 

“Na comunicação sobre a outorga do Prêmio Ernst Edens, o Secretário daquela Sociedade, Dr. Heinz H. Schoeffler, afirmava que, na Alemanha, a terapêutica do enfarte miocárdico com o emprego da Estrofantina cessara, com a morte de Ernst Edens (1944) e por pressão das Escolas inglesa e norte-americana.”

 

“Diante de tal postura da nobre ortodoxia cardiológica, omissa e irresponsável, só nos resta continuar fiéis às nossas convicções, até o dia em que os norte-americanos descubram a necessidade maior de se cuidar, principalmente, da preservação do miocárdio isquêmico e deficiente contrátil, como o melhor caminho para a prevenção do enfarte, insuficiência cardíaca e morte súbita.

 

Nessa ocasião, tudo será mais fácil, uma vez que o cardiologista brasileiro só lê inglês e segue à risca tudo que vem carimbado “Made in USA”, representando uma pobre postura científica, que temos testemunhado durante mais de meio século de atividade profissional, lamentavelmente sem discussão e habitualmente com muito entusiasmo e admiração!”

 

Temos que dar parabéns aos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, revista da Sociedade Brasileira de Cardiologia, pela justa homenagem ao Doutor Quintiliano de Mesquita, publicada na seção In Memoriam, de sua edição de janeiro de 2001. Na homenagem são mencionadas as principais contribuições pioneiras à medicina por este ilustre médico e pesquisador brasileiro, inclusive a de sua Teoria Miogênica do Enfarte do Miocárdio. É uma pena que os Arquivos não tenham constado a página desta homenagem no índice da revista, deixando ficar uma estranha sensação de “déjà-vu”.

 

Mesmo após esta e outras homenagens pela SBC ao Dr. Mesquita, e da publicação na revista Ars Cvrandi de maio de 2002 do artigo “Cardiotônico: insuperável na preservação da estabilidade miocárdica como preventivo das síndromes coronárias agudas e responsável pela prolongada sobrevida”, continua o silêncio e a falta de debate quanto ao assunto. Este trabalho – mencionado na homenagem de janeiro de 2001, publicada nos Arquivos da SBC, mostrou um levantamento estatístico de 28 anos (1972-2000), onde houve um aumento expressivo na expectativa de vida dos pacientes, além de uma mortalidade excepcional de 1,4% ao ano nos casos com enfarte do miocárdio prévio e de 0,5% ao ano nos casos sem enfarte prévio, com o uso do cardiotônico.

 

Enquanto isso nas diretrizes (consenso) da SBC, no que diz respeito aos tratamentos indicados para a coronário-miocardiopatia, continua a não constar a opção dos cardiotônicos. De outro lado, são oferecidas diversas outras opções como cirurgia de ponte de safena, angioplastia, aspirina, estatinas, etc... que estão sofrendo diversos questionamentos quanto a sua eficácia e riscos ao paciente. Sobre o assunto veja em nossa seção Polêmicas.

 

 

[O BOICOTE]