Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

Perspectivas para o Cardíaco

 

Quintiliano H. de Mesquita, Cardiologista

 

Desde a época de acadêmico de Medicina, ouvíamos a sentença de que quando o paciente se cura é graças a Deus e de que, quando morre, o culpado é o medico. No início de nossa especialização, ouvimos de um médico prático que o cardiologista fugia a regra porque o paciente sofria do coração. A absolvição revelaria o preconceito existente e o generalizado significado da condenação do portador de cardiopatia a um encurtamento da vida. O desempenho de uma vida condicionada pela invalidez imposta ou a proscrição de qualquer atividade física eram a regra.

 

Freqüentemente, o próprio paciente desconhecia a sua verdadeira condição, enquanto a família era informada sobre o estado do paciente e do grave prognóstico determinado pelo diagnóstico, criando no meio de todos a impressão da existência de uma bomba de efeito retardado - o cardíaco - que poderia explodir a qualquer momento.

 

Por tudo isso, a simples qualificação do cardíaco ainda perdura até nossos dias com o significado no meio leigo de vida curta e morte inesperada e ainda mais como uma condenação ao infortúnio e insegurança; gerando medo, angústia e sofrimento moral, decorrentes da incapacidade de uma vida normal, participativa e útil.

 

Em nossa iniciação em Cardiologia, nos idos da década de 40, tivemos a ventura de aprender tudo sobre as novas perspectivas cardiológicas que passavam a considerar o cardíaco com patogenias diversas, como membro de uma população que deveria ser apoiada e estimulada, tratada com realismo e levada a participação de uma vida normal, dentro dos seus parâmetros, mas executando criteriosamente tudo o que o individuo normal é capaz, sem os seus exageros ou excessos, levados a tal conhecimento de causa e efeitos e através de um trabalho de conscientização de poder fazer mas não dever fazer, em prol de um futuro melhor e vida mais longa.

 

Percebemos logo que o cardíaco deveria ser cuidado como um paciente comum e sob critério de poupança, dando-lhe a conhecer a intimidade de sua condição clínica, o desempenho mais recomendado e a maneira equilibrada de conduzir-se com otimismo e entusiasmo capazes de induzi-lo a desfrutar uma vida normal.

 

Assim, vimos serem quebrados vários tabus, como permitir a cardíaca casar e procriar como a mulher normal e os cardíacos submeterem-se aos diversos atos de cirurgia geral anestesiados como os indivíduos normais.

 

Vimos cardíacas felizes, casarem, engravidarem e chegarem a termo como mulheres normais, realizadas como mulher e mãe, amparadas em seu próprio psiquismo bem preparado e algumas vezes ajudadas terapeuticamente; nunca "enfeitamos" as salas de parto com a nossa presença para satisfazer os receios do obstetra, porque a presença do cardiologista induz receio quanto ao êxito pela gestante e é desnecessária, uma vez que os partos das gestantes cardíacas são freqüentemente mais rápidos que nas mulheres normais.

 

Tínhamos receio quanto as pacientes portadoras da doença de Chagas com relação a gravidez, mas uma vez nos surpreendemos quando atendemos uma portadora de miocardiopatia chagásica em sua primeira descompensação cardíaca, após o 18º parto normal.

 

Vimos cardíacos passarem a serem tratados cirurgicamente como as demais pessoas, cuidados preventivamente e sustentados pelo preparo físico e psicológico, assegurando-lhe o êxito pelo otimismo real de quem tem condições de ser bem-sucedido.

 

Nunca escolhemos o anestésico para determinado paciente cardíaco ou não, mas sempre recomendamos a escolha do anestesista diplomado e reconhecido como tal, porque o choque anestésico muito comum no passado era induzido pelo anestesista incompetente e improvisado.

 

Por que o paciente que levava vida normal e não se dava conta de ser um cardíaco, até ser acometido por crise cardíaca ou ser diagnosticado portador de cardiopatia, não deve mais viver normalmente e bem conduzido como capacitado a levar vida normal?

 

Deve ser transformado em submisso do medo e fobias e iniciar-se em neurose cardíaca, só porque o seu cardiologista para cobrir-se, proteger-se ou defender-se nos seus receios descabidos e insegurança - o contagia com seu próprio medo?!

 

De maneira alguma! Não se tem o direito de transformar um individuo que pode fazer, em um que nada deve fazer. Deve-se procurar ajustar o cardíaco aos novos parâmetros físicos recomendados para os que constituem uma população semelhante e que tem uma história própria que identifica o seu próprio destino. Faz-se necessário descrever para cada tipo de cardíaco a história natural de sua condição. E, colocando-o a par de sua própria evolução, dar-lhe diretrizes para uma convivência pacífica que o leve a conscientizar-se sobre o que a sua própria condição clínica representa no seu espaço e no tempo a percorrer.

 

Ele deve ser preparado a reconhecer os próprios percalços de sua condição clinica e instruído sobre como contorná-los ou evitá-los.

 

O seguimento clínico do cardíaco deve ser, segundo a necessidade dele próprio em seus retornos espontâneos ao cardiologista, caracterizado por terapêutica simples e continua, constituindo-se para ele um constante treinamento, no qual adquire experiência com os resultados obtidos, participando com otimismo e equilíbrio psicológico.

 

Desse aprendizado resulta a autoconfiança e o conhecimento de causa e efeitos e de como resolvê-los sem impacto emocional e receios, comuns entre os desinformados, inexistentes, porém naqueles previamente instruídos e preparados.

 

Diante do preconceito tão arraigado no espírito do povo com relação à condição do cardíaco, deve-se antepor uma filosofia otimista do médico para propiciar ao cardíaco uma vida útil, normal e produtiva, assegurando-lhe uma postura realística com a mente povoada de saudáveis noções de sobrevivência cuidadosa, sem fantasmas e informações impróprias, que o conduzam à tranqüilidade e segurança.

 

O homem é um mortal que se incomoda com a simples lembrança dessa condição humana e que, no seu íntimo, agasalha o desejo de que lhe seja facultado um bom fim, sem sofrimento físico e de maneira inesperada, para que possa viver bem até o fim. Deseja-se o privilégio do desconhecimento total sobre o evento e a maneira suave da passagem ao sono eterno.

 

Até que não chegue a data fatal, cada um deve preencher a sua vida com a plenitude de seus desejos e uma realidade sadia voltada para a vida.

 

No seu meio social, o cardíaco participa de tudo normalmente. Freqüentemente supera os da mesma faixa etária e até muitos mais jovens em sua sobrevida útil e produtiva, sendo importante a manutenção de sua atividade mental, dirigida sadiamente em seu próprio benefício e da coletividade.

 

O cardíaco deve ser levado ao desempenho de sua vida sem discriminação e inferiorização em sua participação plena no meio em que vive; apenas, deve estar mais informado sobre os modos de vida.

 

Por tudo isso, o papel do cardiologista é o de um conselheiro, orientador e educador, sempre voltado para a condução do seu paciente no caminho do otimismo e da autoconfiança, porque confia no trabalho de acomodação, adaptação e defesa de cada coração, frente a cada condição clínica com evolução própria.

 

Nenhum cardiologista aprendeu até agora a precisar o tempo de sobrevida de cada paciente no que lhe é dado observar.

Temos vivo com mais de dez anos de sobrevida normal, um campeão de quatorze paradas cardíacas sucessivas, na instalação do enfarte agudo. Não há o que pensar; o importante é levar avante e com a cabeça livre sem se olhar o passado. O futuro a Deus pertence.

 

Somos otimistas e investimos no nosso cardíaco a nossa confiança, os cuidados terapêuticos e a elucidação mais completa possível, conversando com cada um sobre seu estado, evolução e sobre a necessidade de sua autoconfiança e a eliminação de qualquer fato, cisma ou receio que sirva para a instalação da neurose cardíaca. Esta depende da incapacidade do médico em conduzir o seu cardíaco ou decorre da falta de esclarecimento e incompetência do médico em aproveitar a confiabilidade tão necessária e que atua até como ação hipnótica benfazeja.

 

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