Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

Digital na Clínica Diária: Comodidade, Eficácia e Segurança

Quintiliano H. de Mesquita, Cardiologista

 

Em nosso estágio na Clínica Propedêutica Médica (1938-40), como acadêmico, fizemos inicialmente o acompanhamento dos casos portadores de insuficiência cardíaca (IC) tratados com digital nos moldes da Escola Francesa, caracterizada por "curas digitalicas" administradas da seguinte maneira: pó de folhas de digital, em doses fortes de 0,50 gm/dia durante 3 dias ou em doses médias de 0,30 gm/dia também em 3 dias; de preferência era empregada a digitaline Nativelle, em solução milesimal de L gotas = 1 mg, equivalente a 1 gm de pó de folhas, administrada na dose diária de XV - XX gotas/dia em 2 dias e depois de X gts/dias até o total de L - LX gts; a cura digitálica era seguida por 15 dias de suspensão da droga como intervalo para a retomada de nova cura digitálica da mesma maneira, repetida assim consecutivamente.

Em pouco tempo, começamos a constatar que muitos pacientes que obtinham patente melhora com a administração da digitalina, alguns dias depois começavam a apresentar sinais e sintomas de retorno ao estado anterior, o que produzia desagradável sensação de mal-estar e insegurança aos encarregados do tratamento, mas que tinham que aguardar até com certa ansiedade o tempo previsto para nova cura digitálica.

Na verdade o que acontecia era uma nítida alternância de melhora no período da cura e piora no intervalo da suspensão da droga, coincidindo este, por muitas vezes, com o registro de agravamento para a insuficiência cardíaca congestiva aguda ou edema agudo do pulmão, exigindo atendimento de urgência, independente do tempo predeterminado para nova cura digitálica.

Em 1939, tomamos conhecimento da metodologia racional preconizada por Cary Eggleston, em uso nos E.U.A desde 1915, empregando o pó de folhas de digital da seguinte maneira: dosagem de ataque representada por 0,10 gm 3 a 4 vezes ao dia, durante 2 – 4 dias até digitalizar o paciente; passando-se à dose de manutenção diária de 0,10 – 0,20 gm, ininterruptamente, regulando-se esta posologia de acordo com a necessidade individual e resposta a medicação.

Ao tomarmos conhecimento do método de Eggleston procuramos adotá-lo utilizando a virtuosa digitaline Nativelle, com dosagem de ataque de XX gts no 1º dia, XV nos 2º, 3º e 4º dias e a partir daí com a dose de V – X gts/ dia como manutenção, regulada a dose de acordo com a exigência de cada um.

Com a introdução dessa mudança no tratamento dos antigos pacientes submetidos às curas digitálicas, os resultados mostraram-se surpreendentes com a prática bem sucedida e tolerada perfeitamente; representando de fato progresso e inauguração de nova Era em nossa rotina terapêutica, com notáveis efeitos em beneficio dos portadores de insuficiência cardíaca que passaram a ser mantidos sob o novo método.

O método de Eggleston foi um marco de grande avanço na terapêutica, porque assinalou a utilização correta da digital, anulando completamente o uso antiquado e penoso das curas digitálicas.

Na ocasião em que foi lançado o método de digitalização contínua, registrou-se o avanço formidável através do sentido de recuperação funcional do paciente.

O paciente que até aquela ocasião, na primeira descompensação cardíaca já passava a ser considerado como inválido e perdia todas as esperanças, passou a constituir-se como um potencial humano ainda útil a si próprio e à sociedade.

O cardíaco já não era mais considerado como um peso morto para seus familiares.

Ao lado dos grandes resultados observados com a administração do novo método, no período de adaptação, era utilizado de maneira entusiástica e observou-se em todos os serviços, manifestações de intoxicações digitálicas com grande freqüência, que serviam para a necessária conscientização do médico sobre os cuidados no emprego da digital; assimilando-se assim o sentido da verdadeira transformação terapêutica, alcançada com a administração de doses de ataque e de manutenção da digital; passando-se ao emprego de doses medias e buscando-se então uma dosagem individual, de acordo com a tolerância e exigência de cada um; independente mesmo do nível sanguíneo da digital e procurando-se sempre evitar a intolerância à prodigiosa droga.

Passamos a observar a digitalina em doses úteis de ataque (1,0 – 2,0 mg, em 5 – 7 dias), administrando-a em seguida na dose de manutenção diária (0,1 – 0,2 mg/dia). Daí em diante verificamos que os pacientes permaneciam rigorosamente compensados e experimentando sobrevida útil e prolongada.

Em 1941, iniciamo-nos no estudo da cardiologia, no Serviço de Cardiologia do Hospital Municipal de São Paulo, sob a chefia do Dr. Dante Pazzanese, onde a orientação sobre o emprego da digital compreendia a administração do pó de folhas da digital ou da digitalina, dentro das normas racionais introduzidas por Eggleston.

Naquela época os produtos impuros procediam predominantemente dos E.U.A e os purificados da França e Suíça.

Em 1942, o registro da digitaline Nativelle nos E.U.A em revista norte-americana (JAMA), deu-nos a oportunidade de fazermos uma previsão sobre as mudanças que lá ocorreriam com o emprego daquela droga, num país em que só utilizavam o impuro e obsoleto pó de folhas, mas com a metodologia inteligente e apurada de Eggleston e que passariam a uma fase de mais segurança com a droga purificada e de resultados mais consistentes.

Foi registrado então um período interessante de adaptação dos norte-americanos ao emprego da nova droga; no entanto, por aqui ocorreu justamente o contrário.

Em nosso meio a introdução dos livros norte-americanos de Cardiologia (Paul D. White, Arthur Fishberg, Samuel Levine) levou à implantação de laboratórios com produtos digitálicos impuros e sua aceitação por Professores com divulgação sobre o seu emprego, quando nos E.U.A acontecia justamente o contrario. Tal postura provocou de nossa parte a publicação de trabalho, protestando contra tal atitude que comprometia o tradicional emprego da digitalina pelo médico brasileiro (1).

De passagem, a titulo de ilustração, devemos recordar aqui um fato curioso, quando fomos atender um colega do Rio, de passagem por São Paulo e internado no Hospital Sta. Catarina, devido a uma crise de Taquicardia Paroxística Atrial que segundo ele próprio demorava 3 a 4 dias para ser sustada. Naquele tempo, o produto digitálico para uso endovenoso existente no mercado brasileiro era o Digalene titulado como 0,05 gm./ ampola; receitamos então 10 ampolas (0,50 gm) e poderíamos ter prescrito até 20 ampolas (1,0 gm) conforme os ensinamentos de White. A enfermeira-chefe assustou-se com aquela dosagem porque habitualmente aquele produto era prescrito como 1 - 2 ampolas por dia; entretanto, a nossa prescrição foi cumprida e em poucos minutos a taquicardia paroxística cedeu, quando anteriormente o paciente levava alguns dias para conseguir tal resultado. Mais tarde, passamos a constatar que tais resultados passaram a ser obtidos com a Digoxina (0,50 mg. / EV) ou Lanatoside-C (0,40 mg. / EV).

Isso bem caracteriza a necessidade e o sucesso da digital nos paroxismos taquicárdicos supraventriculares e como deve ser utilizada na dosagem útil e eficaz.

A partir da década de 50, aconteceu uma reviravolta completa na prática cardiológica com o aparecimento dos produtos purificados da digital, procedentes da Suíça, Inglaterra e França oriundos das digitalis purpúrea e lanata.

Todos os produtos eram eficazes e passaram a constituir um grande avanço, principalmente com a apresentação dos novos produtos de uso endovenoso e oral; representados pela Cedilanide e Digoxina, que se mostraram muito importantes e úteis no controle dos paroxismos taquicárdicos supraventriculares e nas crises agudas de insuficiência cardíaca, enriquecendo o arsenal terapêutico que naquela época contava apenas com a prodigiosa e virtuosa Estrofantina desde o início do século.

O largo emprego de tais produtos da digital, de eficácia regularmente comprovada, tem reduzido muito a necessidade e o tempo de hospitalização dos portadores de insuficiência cardíaca aguda ou crônica, principalmente com a ação coadjuvante dos diuréticos tiazídicos.

A partir de 1972, como tratamento de ataque introduzimos a Estrofantina, Digital e a Proscilaridina-A no tratamento da angina instável ( AI ) e as 2 primeiras no enfarte agudo do miocárdio ( EAM ) , baseados nos conceitos da Teoria Miogênica (2, 3); sendo responsáveis pelas grandes transformações observadas nessas condições clínicas; representadas pela sustação imediata da AI e principalmente por significativos efeitos no EAM, sobre os picos das enzimas miocárdicas que denunciavam resultados benéficos de possível redução da área enfartada e que, por isso, também nos levaram a considerar como portadores de Quadro Clinico Enfartante, os casos habitualmente admitidos nas UC como já enfartados; uma vez que se mostravam ainda como susceptíveis de terem o enfarte até evitado, através do registro de picos enzimáticos normais ou com insignificantes elevações em 20% dos casos assim tratados; seguidos por casos com valores inferiores a 3 x o normal, registrados em mais 47% dos casos e que passaram a ser reconhecidos como Quadro Clinico Enfartante-Sustado ( QCE-S ); sendo os 33% restantes, com picos enzimáticos acima de 3 x o normal (em torno de 5 x o normal), admitidos como de Quadro Clínico Enfartante-Enfartado ( QCE-E ), atenuado.

Em conseqüência dos resultados obtidos com o emprego do cardiotônico no EAM, representados pela redução das complicações arrítmicas, insuficiência cardíaca e choque cardiogênico, passamos a preconizar a deambulação precoce dos pacientes assim tratados, numa época em que se exigia o repouso absoluto durante 50 dias, passando a ser determinada no 5º dia nos casos de enfarte evitado e sustados ( QCE-S ) e no 10º dia para os considerados como enfartados ( QCE-E ), com a alta hospitalar ocorrendo no dia imediato e com registro de baixa mortalidade global ( 12,2% ).

O cardiotônico passou a ser administrado na AI e no EAM como terapêutica de ataque durante 6 dias, com o emprego da Estrofantina G ou K (na dose de 0,25 mg – 0,34 mg – 0,50 mg / dia) ou a Digital (Lanatoside-C na dose de 0,40 mg, ou Digoxina 0,50 mg / dia), por via endovenosa. Parte dos casos de AI foram submetidos à Proscilaridina-A V.O. (1,50 mg / dia) durante 15 – 20 dias.

Após a dosagem de ataque, todos esses casos retornam de fato à estabilidade miocárdica e sintomática e são mantidos sob a Proscilaridina-A (0,50 – 0,75 mg / dia) ou digitalização permanente: Digitoxina (Digitalina) 0,1 – 0,2 mg. / dia ou Digoxina 0,125 – 0,25 mg. / dia ou Beta-metildigoxina 0,10 – 0,20 mg. ou Lanatoside-C 0,50 – 0,75 mg., via oral ( V.O.) - como garantia da preservação da contratilidade dos segmentos miocárdicos coronaria/dependentes comprometidos e prevenção do enfarte miocárdico.

O cardiotônico é muito importante na angina estável ( AE ) sintomática e coronario-miocardiopatia cronica silenciosa, para a preservação da estabilidade sintomática e miocardica e prevenção do enfarte miocardico, sendo empregado ininterruptamente; uma vez que a nossa experiência nos últimos 28 anos nos tem levado a admitir o cardiotônico como a droga anti-enfarte. (4, 5)

Ainda do ponto de vista do coração aterosclerótico, nos últimos tempos, temos considerado o coração do paciente idoso aparentemente normal como vulnerável, porque freqüentemente o paciente considerado normal, dentro de pouco tempo pode ser identificado como portador de processo de coronariopatia ativa; por isso, temos ensaiado também o tratamento profilático referido com a digital naqueles casos, como medida de segurança, especialmente naqueles pacientes geneticamente predispostos; mais tarde completada a medicação com o dilatador coronário quando do reconhecimento da coronariopatia ativa.

Tal prática tem sido inspirada nos freqüentes acometimentos cardíacos agudos no idoso que levam a óbito, em pacientes até então considerados como normais, mas sempre sujeitos a esses inesperados e surpreendentes episódios fatais, interpretados como insuficiência cardio-respiratória aguda e aparentemente justificada como decorrente da idade. Portanto, agindo assim, estamos procurando dar garantia e condicionando o coração do idoso ao estado de preservação contrátil necessária e segura.

Nos casos de insuficiência cardíaca congestiva, a Digitalina ou Digitoxina acumula-se no miocárdio e dá muita segurança ao médico assistente e ao paciente, por causa de sua boa fixação e lenta eliminação, propiciando uma digitalização eficaz e estável; no entanto, alguns casos aparentemente bem digitalizados, de repente começam a apresentar sintomatologia frente aos esforços, dando a impressão de mal compensados, embora até bradicardicos. Assim, aparentemente saturados mas sintomáticos, voltam a mostrar-se bem recompensados quando se pratica a substituição da Digitoxina pelo Lanatoside-C, cujas doses de manutenção são próximas das doses iniciais de ataque, dando-nos a impressão de que essa melhor ação medicamentosa sobre a contratilidade miocardica é devida à mais rápida eliminação e menor acúmulo da droga, em coração severamente comprometido.

Esses casos quase sempre são representados por graves miocardiopatias, como por exemplo na Doença de Chagas, mas que assim tratados são melhor sucedidos com o emprego da Lanatoside-C do que com a Digitoxina. A nossa impressão é que tais resultados alcançados com a Lanatoside-C, dependem realmente da eficácia da ação mais superficial, menor acúmulo da droga no miocárdio e da sua relativamente mais rápida eliminação.

Na prática, nos pacientes digitalizados com a Digitoxina, a sua suspensão mostra um período médio de 7 dias para sua completa eliminação, enquanto a Lanatoside-C é eliminada em 3 – 4 dias. Assim, temos sempre presente que, em casos de cardiopatia grave, os digitálicos de eliminação mais rápida e baixa ação cumulativa, têm nossa preferência, porque atuam com mais eficiência que os outros digitálicos de efeito cumulativo maior e mais lenta eliminação.

Lidando com paroxismos de taquicardia supraventricular, em pacientes clinicamente normais, a Digoxina (0,50 mg / ampola) ou Cedilanide (0,40 mg / ampola) em injeção endovenosa são marcadas pela sustação imediata da crise taquicardica, completada pela administração da medicação anti-arrítmica durante alguns dias para a normalização da excitabilidade do coração envolvido.

A medida que nos habituávamos com o emprego racional da digital na clínica diária, fomos nos integrando nos conceitos práticos acerca dessa virtuosa droga por suas respostas sempre prontas, eficazes e correspondentes às nossas necessidades diuturnas.

Muito cedo descobrimos que nos processos de cardite reumática recidivante, em portadores de doença valvular reumática com cardiomegalia, a insuficiência cardíaca congestiva não seria influenciada pela digital a não ser quando atuasse paralelamente à administração da terapêutica específica, útil para o controle da febre reumática recidivante; mas algumas vezes ignorada pelo médico assistente como pelo próprio paciente, como aconteceu com o caso que nos levou a tal conotação prática e cuja solução foi muito rápida e marcou em nossa mente tal constatação; uma vez que o paciente havia sido tratado anteriormente sem sucesso quanto à insuficiência cardíaca por 2 cardiologistas, utilizando-se de doses corretas de digital, mas ignorando completamente a presença da febre reumática recidivante, porque o paciente de 38 anos ignorara a febre vespertina, constatada somente a nosso pedido na 1ª noite após nossa consulta. Diante do diagnóstico correto e do tratamento da causa em jogo, a digital mostrou-se eficaz e soberana nos seus efeitos, corrigindo à insuficiência cardíaca.

A fibrilação atrial permanente ao desenvolver a insuficiência cardiaca congestiva, geralmente exige digitalização mais enérgica e não raro pode desenvolver intolerância digitálica, por isso, resolvemos experimentar a administração inicial de 0,50 mg de Estrofantina EV, seguida 6 horas depois por 0,2 mg de Digitalina que assumia diariamente a dose de manutenção terapêutica permanente, com grande eficácia sobre a freqüência ventricular e capacidade funcional, mostrando-se como fácil rotina e prática tranqüila.

De nossa experiência no pós-operatório de casos de cirurgia de médio e grande porte, com pacientes de idade superior a 50 anos que se apresentavam normais do ponto de vista cardiovascular, muito cedo chegamos à conclusão de que tais casos se mostravam vulneráveis, com registro de taquiarrítmias atriais e insuficiência cardíaca no pós-operatório imediato ou tardio. Por isso, durante 35 anos à frente do Instituto de Cardiologia do Hospital Matarazzo, estabelecemos naqueles casos a administração endovenosa da Estrofantina 0,25 mg ou Lanatoside-C 0,40 mg ou Digoxina 0,50 mg, a partir do dia da operação e durante os 5 dias subseqüentes; constituindo-se então como a nossa norma de conduta, marcada pelo registro de pós-operatório tranqüilo do ponto de vista cardiovascular.

De 1941 até o presente temos a digital como o medicamento eficaz e seguro, que não tem falhado na vigência de febre reumática recidivante na cardiopatia reumática crônica, processos toxi-infecciosos, diabetes mellitus, aterosclerósticos e de hipertensão arterial, sempre administrada em conjunto com a terapêutica específica ou coadjuvante muito importante e decisiva nessas condições clínicas.

A descoberta dos magníficos diuréticos tiazídicos veio representar grande progresso, trazendo grande conforto e propiciando o prolongamento de sobrevida útil daqueles casos que se caracterizavam por vida desconfortável e com edemas completamente incontroláveis, a despeito da digitalização bem conduzida.

A digitalização sempre foi alcançada com segurança e sem toxidade pelo emprego de doses diárias necessárias, individualmente caracterizadas pela tolerância e resposta aos ensaios com doses repartidas a cada 8, 12 ou 24 horas, graças à propriedade cumulativa da digital e ainda mais, a escolha da digital de maior fixação e mais lenta eliminação da droga, bem conhecida pelo emprego da Digitoxina (Digitalina) como rápida na fixação e lenta na excreção, quando comparada com a Lanatoside-C.

A troca da digitalis purpúrea pela lanata e vice-versa, constitui freqüente manobra em casos de variação sintomática e aparente redução de efeitos frente à droga em uso.

Tratamos a IC só com digital desde o início e durante anos seguidos, mas em muitos casos iniciamos o tratamento com a Estrofantina ¼ mg EV, administrada em 15 injeções endovenosas com intervalos de 12 horas entre a 1ª e a 2ª, seguidas a cada 18 horas por 3 vezes e o restante a cada 24 horas; continuando-se posteriormente com o emprego da Digoxina 0,25 mg / dia ou Digitoxina 0,1 – 0,2 mg / dia ou Lanatoside-C 0,75 – 1,0 mg / dia por via oral como manutenção; trata-se de feliz combinação com tolerância perfeita e segurança absoluta.

Temos consciência de que a digital é uma droga confiável, de efeito seguro e eficaz e que nunca falhou em suas principais indicações, a curto e longo prazos.

A digital é um medicamento empregado habitualmente de acordo com as necessidades individuais e não deve ser administrado segundo cálculos arbitrariamente pré-estabelecidos.

Da experiência adquirida na digitalização comum dos adultos, passamos a observar e a tratar a insuficiência cardíaca da criança e verificamos, em primeira análise, a necessidade da administração de doses mais realistas e superiores às habitualmente recomendadas.

Esta impressão adveio da apreciação do comportamento e da resposta de cada caso em particular, através de uma supervisão estreita, sob a qual a posologia tem sido ditada pelo grau da insuficiência cardíaca, objetivando-se assim o sucesso terapêutico e segurança na administração medicamentosa.

Temos a impressão de que a rotina ainda praticada no tocante à digitalização da criança, considerando-se o peso e a idade, seguida por quase todos os médicos que se têm ocupado do assunto, na maioria dos casos não deve corresponder às reais exigências dos menores com insuficiência cardíaca.

Quanto ao método de digitalização, no adulto ou na criança estabelecemos os tetos para a primeira administração ou doses parceladas, também para a dosagem das primeiras 24 horas e para a dose diária de manutenção. A dose total digitalizante é variável e o prazo é de interesse secundário, pois baseamo-nos na exigência individual de cada caso.

Guiamo-nos sempre pelo grau da insuficiência cardíaca que vem exigir a maior ou menor urgência em se atingir a compensação cardíaca.

A nossa maneira de digitalizar a criança tem sido orientada no sentido da observância de doses parceladas médias (0,1 – 0,4 mg com predominância de 0,3 mg de Digitalina e 0,50 – 0,75 mg de Lanatoside-C), inferiores às empregadas no adulto, repetidas em quantidades iguais ou inferiores, conforme os efeitos obtidos e a tolerância do paciente, seguindo com intervalos 6, 8 ou 12 horas, não sendo ultrapassado 1 mg. de Digitalina e 3,75 mg. de Lanatoside-C nas primeiras 24 horas, sem nos preocuparmos com o tempo necessário à digitalização, mas tão somente com o fato de conseguirmos a compensação cardíaca dentro da tolerância e urgência de cada caso.

A dosagem digitalizante de ataque tem variado de 0,6 mg. a 2,5 mg. com a média de 1,50 mg., no prazo de 1 – 11 dias e duração média de 5 dias para a Digitalina; no tocante ao Lanatoside-C, a dosagem digitalizante tem atingido 4,5 mg. a 6,45 mg. com a média de 4,5 mg. e dentro do prazo de 3 – 6 dias, com o tempo predominante de 3 dias.

A dose diária de manutenção para a Digitalina varia de 0,06 mg. a 0,2 mg.; para o Lanatoside-C tem variado de 0,50 mg. a 1 mg. / dia; valores esses muito aproximados dos utilizados para os adultos.

O médico ao lidar diuturnamente com a digital tem como orientação segura uma dose máxima para cada período de 24 horas, tanto nas doses de ataque como nas de manutenção, variando a dosagem através de supervisão do paciente e diante de suas necessidades e tolerância individuais.

Por último, o seu emprego nos 3 estágios da coronário-miocardiopatia vem sendo registrados há 27 anos, desde a elaboração da nossa Teoria Miogênica e como exigência natural para a prevenção e tratamento do enfarte agudo do miocárdio; bem como na preservação da estabilidade sintomática e miocárdica, de maneira contínua e ininterrupta, a longo prazo.

Temos tratado os casos de coronario-miocardiopatia silenciosa ou Angina Estável com e sem enfarte miocardico prévio com Digital ou Proscilaridina-A por via oral permanentemente; incluídos os casos de Angina Instável em crescendo e de quadro clinico enfartante depois de tratados com Estrofantina E.V. ou Digital E.V. durante 6 dias como terapêutica de ataque; sempre associados o cardiotônico e o dilatador coronário que vão atuar como suporte e complementação à ação de revascularização miocárdica natural representada pela circulação coronária colateral.

Até agora não há nenhuma droga que possa substituir com vantagem a Digital que sempre se mostra notavelmente eficaz, corrigindo os sintomas da IC, com efetiva tolerância ao esforço na vida comum que indica melhora na qualidade de vida, quando isoladamente administrada ou associada a diurético, inibidor da ECA e dilatador coronário, principalmente nos idosos.

A Digital sempre corresponde às variações de dosagem exigidas por sobrecarga física e/ou estresse psico-emocional, intercorrências infecciosas ou na prática descontrolada de posologia da droga, registradas na manutenção prolongada durante décadas de uso ininterrupto, benéfico e vantajoso.

Bibliografia

1.  Mesquita, QHde, Notas práticas sobre o emprego da digitalina. Rev. Hospital N. S. Aparecida, 1952;5:464

2.  Mesquita, QHde, Teoria Miogênica do Enfarte Miocárdico – Novos conceitos de Fisiopatologia e Terapêutica, Livro, Edição do autor, 1979., Download gratuito em http://www.infarctcombat.org/LivroTM/qhm.html

3. Mesquita, QHde, Porque Teoria Miogênica e Não Teoria Trombogênica, Arq. Bras Cardiol, Vol 62 (4), 1994

4. Mesquita, QHde e Baptista, CAS, Cardiotônico: insuperável na preservação da estabilidade miocárdica como preventivo das síndromes coronárias agudas e responsável pela prolongada sobrevida, Ars Cvrandi 2002, Vol. 35; 3: 8-16 (maio)

5. Mesquita, QHde, Baptista, CAS e colegas, Efeitos do cardiotônico + dilatador coronário na coronário-miocardiopatia crônica estável, com e sem enfarte prévio, a longo prazo, Ars Cvrandi 2002, Vol. 35; 7: 56-61 (setembro)

 

Veja também

 

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