Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

A Tosse-RCR nas Arritmias Letais, no Enfarte Agudo do Miocárdio e na Morte Cardíaca Súbita: História e Controvérsias

 

O que será mais perigoso do que morrer: tentar sobreviver?

 

É cada vez maior o número de mensagens através de emails divulgando a noção de tossir forte e seguidamente a partir dos primeiros sintomas de um ataque cardíaco.

 

Nosso objetivo através do presente artigo é o de mostrar os estudos que tem sido feitos sobre a ressuscitação cardiorespiratória pela tosse (tosse-RCR) nas arritmias letais, no enfarte agudo do miocárdio e na morte súbita, procurando discutir as diversas controvérsias e argumentos pró e contra a sua auto-administração isolada, pelos pacientes.

 

História do uso da tosse-RCR

 

1961 Mason Sones e sua equipe injetaram acidentalmente uma certa quantidade de solução de contraste radiológico no coração do paciente durante um procedimento local (o paciente estava acordado). O coração parou, o Dr. Sones pediu ao paciente que tossisse e o coração retomou seu batimento regular (16).

 

1976 – Criley e colegas demonstraram sucesso no uso da tosse repetida a cada 1 a 3 segundos ressuscitando 8 pacientes com fibrilação ventricular (FV), que estavam se submetendo a angiografia coronária. Três desses pacientes permaneceram conscientes e alertas por 24 a 39 segundos após a FV. A pressão sistólica média na aorta induzida pela tosse foi de 139,7 Hg (+/- 3,8) enquanto somente 60,7 mm Hg (+/- 5,1) na ressuscitação cardiorespiratória (RCR) externa. A tosse seguida e forçada manteve a consciência por compressão rítmica do coração, mostrando diversas vantagens sobre a RCR externa no laboratório de cateterismo (1).

 

1980 – Criley e colegas observando 4 pacientes com ritmos instáveis e em cães com fibrilação confirmaram que a tosse: 1) produz um pulso arterial; 2) produz a abertura da válvula aórtica; 3) gera um aumento no fluxo de sangue 4) pode manter a consciência durante a parada cardíaca. Esses autores disseram que os dados recentes sugeriam que a técnica de RCR pela tosse da mesma forma que RCR convencional produz fluxo de sangue pela compressão do reservatório de sangue vascular pulmonar e não pela compressão cardíaca como se pensava anteriormente (2).

 

1986 – Schultz e Olivas confirmaram que a técnica de RCR pela tosse usa de princípios iguais àqueles que mantém a circulação durante a compressão do tórax, com um significante número de vantagens sobre o último. Disseram que no início de arritmias letais como assistolia, bradicardia profunda, taquicardia ventricular e fibrilação ventricular a tosse poderia ajudar na manutenção da consciência e proporcionar uma ótima pressão sistólica sangüínea além de que poderia gerar o mecanismo requerido para converter a arritmia. Notaram que a simplicidade e efetividade dessa técnica permitiria sua consideração para maior uso clínico pelo staff hospitalar em todos os ambientes monitorados (3).

 

1992 – Rieser apresentou caso de um paciente com enfarte agudo do miocárdio anterior e fibrilação ventricular. O paciente foi ressuscitado após a RCR pela tosse administrada no departamento de emergência do hospital (4).

 

1998 – Petelenz e colegas apresentaram estudo envolvendo um método de ressuscitação cardiorespiratória auto-administrado por pacientes que foram treinados a reconhecer a iminente chegada de eventos da síndrome de Stokes-Adams, ameaçando sua vida. O estudo compreendeu três métodos de investigação em três grupos separados de pacientes: o primeiro grupo foi submetido a procedimentos invasivos (20 pts.); no segundo os pacientes fizeram estudos de Doppler não invasivo (31 pts.); e no terceiro foram feitas observações dentro e fora do hospital (155 pts.). Os resultados indicaram que a tosse evocada pode efetivamente prevenir o desfalecimento e manter consciência até que a RCR convencional se tornasse disponível (5).

 

2003 – Petelenz apresentou, durante o Congresso da Sociedade Européia de Cardiologia realizado na Áustria, um estudo envolvendo 115 pacientes identificados com alto risco de parada cardíaca súbita que foram ensinados a reconhecerem sinais precoces de alarme, incluindo falta de ar, náuseas súbitas, tonturas, fraqueza súbita, visão turva, fraqueza nas mãos e sudorese inapropriada. Os pacientes também foram ensinados sobre a técnica de ressuscitação através da tosse e encorajados na sua prática sendo treinados a tossir cada 1 a 3 segundos em turnos de cinco tosses. O processo foi repetido nas sessões regulares de treinamento pela manhã e a noite até que o paciente conseguisse tossir por até 10 a 30 vezes em cada turno.

 

Os 115 pacientes envolvidos no estudo utilizaram a tosse na ressuscitação em 365 oportunidades onde nas quais sentiram que poderiam desfalecer, sendo que os sintomas desapareceram em 292 casos. Petelenz informou em sua apresentação no Congresso que somente 73 casos requereram assistência médica adicional e que todos sobreviveram para receber terapia no follow-up, que incluiu 45 implantações de marca-passo, 55 cirurgias cardíacas, e 15 intervenções famacológicas.

     

O Dr. Tadeusz Petelenz, que é professor de cardiologia da Fundação Cardiológica da Escola de Medicina da Silésia em Katowice, Polônia, disse que se o público pudesse ser ensinado a reconhecer sintomas precoces de parada cardíaca súbita e como auto-administrar a tosse na ressuscitação, muitas vidas poderiam ser salvas. Notou que “a maioria dos óbitos cardíacos súbitos são causados por fibrilação ventricular a qual pode ser transiente”, além do que “as vitimas estão freqüentemente na faixa de idade entre 50 e 60 anos, muitas vezes os anos mais produtivos da vida” e que “de 2 em 5 vitimas estão sozinhas durante a parada cardíaca súbita”. Seu trabalho foi publicado em 2004 (6, 7, 8, 9, 10, 11).

 

Controvérsias sobre o uso auto-administrado da tosse-RCR

 

Desde a descrição original do uso da técnica de RCR através da tosse por Criley e colegas em 1976, a instrução aos pacientes para tossirem no início de arritmias graves se tornou uma prática padrão em muitos laboratórios de cateterismo cardíaco.

 

Entretanto essa técnica é largamente ignorada por paramédicos, médicos trabalhando em salas de emergência médica, cardiologistas e outros provedores de cuidados da saúde.

 

Aqueles que se referem a técnica da tosse RCR colocam-na como um procedimento perigoso para ser tentado fora de um ambiente monitorado e sem supervisão médica, ainda mais quando auto-administrado isoladamente por pessoas sem treinamento específico.

 

A Associação Americana do Coração, diante da intensa divulgação do conceito de tosse RCR através da Internet, se viu obrigada em 1999 a colocar a seguinte declaração em seu website: “A RCR pela tosse não deve ser dada rotineiramente em cursos de ressuscitação cardiorespiratória a socorristas leigos, porque complicaria o ensino da RCR tradicional e adicionaria informação que geralmente não seria proveitosa no ambiente pré-hospitalar e que em virtualmente todos os cursos de RCR dados aos socorristas leigos, o achado que sinaliza uma emergência é a apatia das vitimas e que vitimas apáticas não seriam capazes de realizar a RCR pela tosse”. A recomendação da Associação Americana do Coração é para que o paciente esteja atento aos sinais de alarme precoce de enfarte do miocárdio e de parada cardíaca e que telefone o mais breve para o pronto socorro mais próximo (12).

 

Também a Cruz Vermelha Americana, acompanhando a Associação Americana do Coração, declarou em 2000 que não endossava a tosse-RCR dizendo que até aquela data não havia pesquisas científicas suficientes a respeito de sua eficácia. Portanto, a Cruz Vermelha Americana não poderia advogar o ensino dessa técnica até que fosse completamente testada em estudos nacionais e ser achada como efetiva (13).

 

O Dr. Leo L. Bossaert, diretor executivo do Conselho de Ressuscitação Europeu, manifestando-se sobre a proposta de Tadeuz Petelenz sobre a RCR pela tosse durante o Congresso da Sociedade Européia de Cardiologia em 2003 disse que ensinar essa técnica poderia confundir a mensagem de que se deveria chamar por ajuda o mais cedo possível. Ele se mostrou preocupado que os pacientes começassem a chamar muito tarde pela ajuda dos serviços de emergência médica.Também se mostrou cético quanto a capacidade do público leigo em reconhecer os sintomas de parada cardíaca súbita em tempo de reagir e que considerava irresponsável recomendar naquela época o treinamento sobre tosse RCR, pois achava que as evidências não eram suficientes (7).

 

Os argumentos que tem sido apresentados pelas diversas autoridades médicas e profissionais da saúde carecem ao nosso ver de substância. Isto começa pela falta de continuidade nas pesquisas sobre a tosse RCR auto-administrada pelos pacientes, sendo notada uma grande falta de interesse em sua discussão e na divulgação em revistas médicas ou pela mídia convencional, o que mais parece uma operação abafa e de prevenção da difusão de sua prática, refletindo que essa técnica afigura-se não ser conveniente ao “medical establishment”.

 

Deve ser enfatizado que não existe qualquer contestação à validade da tosse RCR na reversão dos eventos cardíacos descritos, quando aplicada em ambientes monitorados e sob supervisão médica.

 

Atribuir a tosse RCR auto-administrada à condição de um procedimento perigoso para ser tentado por quem não tenha treinamento específico só reforça a necessidade da divulgação correta de seu conceito e de treinamento aos pacientes.

 

É bom lembrar também que a RCR convencional, a qual se apóia em procedimentos heróicos, pode injuriar os pacientes representando algumas vezes até um problema ético. Por exemplo a massagem cardíaca externa, incluindo o soco precordial, pode freqüentemente fraturar as costelas e o esterno; a desfibrilação, especialmente quando repetida por várias vezes, pode provocar queima por choque elétrico nos pacientes; a massagem cardíaca interna, um procedimento realizado por médicos na emergência médica, requer o rompimento das costelas para o acesso ao coração (toracotomia), sendo bastante doloroso durante as semanas de recuperação. A RCR através da massagem cardíaca externa pode também causar danos ao fígado, pulmões e ao próprio coração. Mas, todos esses riscos precisam ser aceitos quando a RCR é necessária para salvar a vida de um ser humano.

 

A fibrilação ventricular é  freqüentemente observada durante uma RCR em adultos, sendo a desfibrilação elétrica precoce, portanto, a única terapia intensiva efetiva para reversão dessa arritmia letal.  A taxa de sobrevivência dos pacientes submetidos à RCR com tórax fechado situa-se na faixa de 15% nas vítimas atendidas no ambiente hospitalar e entre 1 e 8% naqueles vitimados fora do ambiente hospitalar (14).

 

Quanto ao argumento de que vitimas apáticas não seriam capazes de realizar a RCR pela tosse o mesmo se pode dizer quanto à dificuldade que elas têm para telefonarem ao pronto socorro. Além do que é comum a chegada do socorro fora do tempo necessário para prevenir qualquer evolução negativa do quadro cardíaco.

 

Por esses motivos, cabe somente ao paciente, quando estiver sozinho e sentir os sintomas, assumir ou não os riscos da auto-administração da tosse RCR.

 

Espera-se que as autoridades médicas diante da divulgação a cada dia maior do conceito sobre a tosse RCR com auto-administração pelos próprios pacientes quando estiverem sós, através da circulação de emails diários pela Internet, comecem a perceber que vão ter que tomar medidas mais concretas no benefício de muitos pacientes os quais podem estar aplicando essa técnica sem o conhecimento adequado e, portanto, correndo riscos desnecessários na tentativa de salvar suas vidas.

 

Aliás, Criley, tendo em vista as declarações da Associação Americana do Coração e de outras entidades, disse recentemente em artigo: "A presente descrição da tosse RCR é apresentada após 3 décadas após o relatório original pelas seguintes razões:

1) Pressões arteriais foram superiores a outras produzidas pelo RCR convencional e claramente manteve a perfusão.

2) A tosse foi espontânea e pode ocorrer fora de um ambiente monitorado.

3) A tosse RCR pode ser efetivamente ensinada para pacientes de alto risco e poderá salvar vidas (17)."

Em resposta a correspondência (18) para seu artigo, em posterior edição do Circulation, ele reforça:

"Na nossa opinião a ressuscitação cardiopulmonar pela tosse é um terceiro método efetivo que pode ser vantajoso, porque ele é realizado pela vitima, pode ser efetivamente ensinado a pacientes de alto risco e poderia adquirir tempo para chamar saúde".

 

Os mecanismos hemodinâmicos da ressuscitação cardiorespiratória

 

Persistem as controvérsias quanto aos mecanismos geradores de fluxo sangüíneo anterógrado na RCR (14). Entretanto, algumas observações recentes feitas através da ecocardiografia transesofágica favorecem a teoria original da bomba cardíaca como o mecanismo hemodinâmico predominante gerador do fluxo de sangue durante a ressuscitação cardiorespiratória realizada em seres humanos (15).

 

A tosse-RCR e a Trombose Coronária

 

Voltando ao estudo apresentado por Tadeusz Petelenz em 2003, sobre a reversão do enfarte agudo e da morte súbita através da tosse-RCR auto-administrada, com os sintomas desaparecendo em grande parte das vezes, seus resultados enfraquecem ainda mais a hipótese da trombose coronária, fator dito como desencadeante das síndromes coronárias agudas (angina instável, enfarte agudo do miocárdio e morte súbita), que é apoiado pela ortodoxia cardiológica. Para maiores informações sobre outras contradições da TT sugerimos ver o artigo: “Controvérsias e Remendos da Teoria Trombogênica do Enfarte Agudo do Miocárdio”.

 

A respiração boca a boca

 

A ventilação de emergência (respiração boca a boca) foi considerada durante cerca de 40 anos um indispensável elemento da ressuscitação cardiopulmonar. Entretanto, baseada na presunção, representou o pensamento do sistema médico dominante. Agora, com base em novos achados que descobriram que essa presunção foi errada, as entidades representativas, entre elas a Associação Americana do Coração estão dizendo que a respiração boca a boca “não é mais necessária” (na verdade uma perda de tempo), tendo em vista a efetividade das compressões no torax na tentativa de ressuscitação… (19). Enquanto isso o sistema médico resiste em discutir as vantagens e benefícios da tosse-RCR.

 

Ressuscitação cardiorespiratória (RCR) = Ressuscitação cardiopulmonar (RCP)

 

Referências

 

1.     Cough-induced cardiac compression. Self-administered from the cardiopulmonary resuscitation, Criley JM, Blaufuss AH, Kissel GL. JAMA 1976 Sep 13;236(11):1246-50

2.     Cough-CPR: documentation of systemic perfusion in man and in an experimental model  – a window to the mechanism of blood flow in external CPR, Niemann JT, Rosborough J, Hausknecht M, Brown D and Criley JM. Crit Care Med 1980 Mar; 8(3):141-6

3.     The use of cough cardiopulmonary resuscitation in clinical practice, Schultz DD, Olivas GS. Heart Lung 1986 May;15(3):273-82

4.     The use of cough-CPR in patients with acute myocardial infarction, Rieser MJ. J Emerg Med. 1992 May-Jun;10(3):291-3

5.     Self-administered cough cardiopulmonary resuscitation (c-CPR) in patients threatened by MAS events of cardiovascular origin, Petelenz T et al. Wiad Lek 1998;51(7-8):326-36

6.     Cough cardiopulmonary resuscitation, Petelenz T. Kardiol Pol 2004 Feb;60(2):158-60

7.     A cough start? Cardiovascular News, Ruth SoRelle, Circulation Newswriter. Circulation, Sep 2003;108:e9027

8.     Cough-CPR proposed as new technique for at-home resuscitation, Peggy Peck. Medscape, Sep 3, 2003

9.     Coughing may help during heart attack – Polish Doctor claims simple technique works like do-it yourself CPR. WebMD Medical News Sep 2

10.   Hacking your way to survival, Valery DeFrance. EMS Education Sep 3, 2003

11.   Estímulo de tosse como técnica para reanimação cardiopulmonar, Cardionews, 2003

12.   Cough CPR, American Heart Association, 1999

13.   Cough CPR, American Red Cross, 2000

14.   Ressuscitação cardiorespiratória, Sebastião Araújo e Zilda E. M. Araújo. Simpósio: Medicina Intensiva - 3ª parte, Capítulo IV. Revista de Medicina, Ribeirão Preto, 34: 36-63 (p. 43) jan/mar 2001

15.   Pump models assessed by transesophageal echocardiography during cardiopulmonary resuscitation, Liu P, Gao Y et al. Chin Med J (Engl) 2002 Mar;115(3):359-63

16.  The cough that resuscitated Dr. F. Mason Sones's first patient undergoing selective cine coronary arteriography, Tsung O. Cheng. Catheter Cardiovasc Interv. 2004 Nov;63(3):398

17. Cough Cardiopulmonary Resuscitation Revisited, Marc J. Girsky and John Michael Criley, Circulation. 2006;114:e530-e531.

18. Response to Letter Regarding Article, "Cough Cardiopulmonary Resuscitation Revisited".John Michael Criley and Marc J. Girsky, Circulation. 2007;115:e461

19. Hands-Only (Compression-Only) Cardiopulmonary Resuscitation: A Call to Action for Bystander Response to Adults Who Experience Out-of-Hospital Sudden Cardiac Arrest, Michael R. Sayre et al. Circulation. 2008;117:2162-2167

 

Setembro, 2008

Veja também

 

Seção Polêmicas