Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

Síndrome X ou Doença Microvascular

 

Quintiliano H. de Mesquita, Cardiologista

 

Com o advento da cineangiocoronariografia tornou-se freqüente o registro de casos de angina do peito estável, angina instável e enfarte agudo do miocárdio com artérias coronárias epicárdicas normais ou com lesões insignificantes (50%); casos esses muitas vezes observados antes nas mesas de necropsia, principalmente em caso do enfarte agudo do miocárdio, tidos como paradoxais por estarem relacionados com artérias normais ou pouco afetadas e freqüentemente interpretadas de maneira cômoda como decorrentes do processo trombogênico coronário seguido por fibrinólise espontânea ou então por processo vasospástico coronário.

 

Esses casos são mais numerosos no processo de angina do peito estável, nos quais a angina de esforço e condições de estresse psicoemocional, com ECC normal em repouso e ECG de esforço característico de isquemia miocárdica subendocárdica, coincidem com arteriogramas coronários normais, no que tange as coronárias maiores epicárdicas, quando ainda as pequenas artérias e demais constituintes da microvascularização coronária intramiocárdica não podem ser estudadas satisfatoriamente.

 

Deve-se notar que os métodos cintilográficos miocárdicos têm indicado comprometimento miocárdico ventricular, principalmente com esforço e testes com Dipiridamol endovenoso, nos estudos com xenônio, tecnécio e tálio.

 

O mecanismo fisiopatológico e a patogenia na síndrome X de Kemp (1983) continua muito obscuro porque foge ao comumente observado e marcado pela coexistência de artérias coronárias epicárdicas afetadas por processo aterosclerótico obstrutivo, mas consistente em suas manifestações clínicas e meios habituais de investigação para diagnóstico, exceto a cineangiocoronariografia que perde assim muito do seu atribuído valor diagnóstico, tida como irrefutável e absolutamente necessária para julgamento da doença coronária crônica exigida para a formulação diagnóstica. Tem sido também afastada a possibilidade de vasospasmo de artéria coronária e sensibilidade à Ergonovina parenteral, indicando boa reserva dilatatória coronária.

 

As biopsias atualmente possíveis têm sido negativas, mas o sofrimento isquêmico miocárdico relativo às causas comuns desencadeantes tem sido evidente.

 

Assim, o exame cineangiocoronariográfico negativo em casos clínicos típicos de angina do peito estável ou mesmo de estágios mais avançados, não afasta a possibilidade de condição circulatória coronária primária desencadeante e recentemente designada por Cannon e Epstein (1988) como angina "microvascular", o que deve emprestar mais consistência aos subsídios clínicos e eletrocardiográficos como suficientes para o diagnóstico, passando a situar a cineangiocoronariografia como auxiliar e não o fator preponderante para a identificação da coronariopatia e do normal, limitada a análise das grandes artérias coronárias e colaterais a partir de certo calibre.

 

A clínica bem especulada e fundamentada pela anamnese nos casos sintomáticos ainda é soberana, principalmente ajudada pela eletrocardiografia e com maior propriedade nos casos assintomáticos, conduz ao diagnóstico rápido e precoce a ser apenas confirmado e destacado por cada outro exame subsidiário que apenas vem enriquecer a propedêutica médica. Feito o diagnóstico certo, a repetição diagnóstica pelos diversos exames subsidiários hoje existentes e ao dispor da Cardiologia, constitui redundância e aumento dos custos sem grande importância para o trato comum de cada caso.

 

De nossa casuística sobre angina instável ou síndrome intermediária mandamos realizar o exame cineangiocoronariográfico em dezesseis dos cento e vinte seis pacientes tratados, a título de amostragem (12%), dos quais quatro pts mostraram artérias coronárias normais (dois pts) e fluxo lento (um pt) e com lesões insignificantes (um pt), representando 25% da amostragem realizada. Dos 1183 pts tratados do enfarte agudo do miocárdio foi realizada uma amostragem em 181 pts (15%), dos quais vinte e cinco pts mostraram artérias coronárias normais (nove pts) e fluxo lento (oito pts) e com lesões insignificantes (oito pts), representando 13,8% da amostragem. Os números aqui apresentados como parte de simples amostragem são muito significativos para a patologia representada pela síndrome X ou de comprometimento da microvascularizaçâo coronária, sem meios efetivos para sua identificação.

 

Nota: Este artigo foi extraído de capítulo com o mesmo título do livro "Como escapar da ponte de safena e do enfarte do miocárdio só com remédio", Mesquita, QHde: Editora Ícone, 1991 cujo resumo pode ser visto em http://www.infarctcombat.org/livros/icem.html

 

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Seção A Doença