Instituto de Combate ao Enfarte do Miocárdio

 


 

Nossa Contribuição para o Estudo da Coronariopatia

 

 Quintiliano H. de Mesquita, Cardiologista

 

No Brasil, a cardiologia foi lançada como especialidade a partir de 1941, no primeiro curso intensivo de cardiologia do Serviço de Cardiologia do Hospital Municipal de São Paulo, por seu fundador e Chefe Dr. Dante Pazzanese, o primeiro cardiologista brasileiro com dedicação exclusiva à cardiologia, com a participação de Dr. Leovigildo Mendonça de Barros e o radiologista Dr. Olavo Pazzanese. Na época, era o Serviço melhor aparelhado e disposto para a iniciação de novos cardiologistas que desejassem seguir seu fundador e mestre maior na dedicação à Cardiologista e, principalmente, na Eletocardiografia que engatinhava e era assim lançada, ensinando ao Brasil como fazer na prática o diagnóstico eletrocardiográfico do enfarte agudo do miocárdio, como de maior importância na Clínica. e, por extensão, o de bloqueios de ramo, hipertrofias ventriculares e o sedutor campo das arritmias cardíacas, onde a Eletrocardiografia continua soberana.

 

Participamos daquele evento representando oficialmente as prefeituras do Recife e de João Pessoa e continuamos depois como Assistente voluntário daquele Serviço com o consentimento e apoio do mestre e amigo Dante Pazzanese, mineiro de corpo e alma, bandeirante na terra paulista, brasileiro ilustre, fundador mais tarde de outro magnífico Serviço de cardiologia na esfera estadual, consagrando-se como o primeiro mestre da Cardiologia Nacional, perpetuado mais tarde pelo Instituto que criou e recebeu o seu nome, em logradouro público que ostenta também o seu nome, como merecida homenagem ao saudoso homem simples, famoso e pioneiro, cultuado sempre pelos que privaram do seu convívio e foram acolhidos por ele onde pontificava.

 

Iniciamo-nos lá no Serviço de Cardiologia da rua Santa Madalena e permanecemos até 1945, na qualidade de Assistente voluntário, participando dos trabalhos diários e dos sucessivos cursos intensivos anuais, principalmente na Eletrocardiografia das arritmias, que nos seduzia inteiramente.

 

Em 1945, fundávamos o Instituto de Angio-Cardiologia no Hospital Nossa Senhora Aparecida (posteriormente Hospital Matarazzo) e casas de Saúde Matarazzo, afastávamo-nos do Serviço do Dr. Dante Pazzanese, criando uma nova célula cardiológica ligada principalmente pela gratidão, admiração e amizade àquele que nos havia acolhido e prestigiado por muito tempo com a sua confiança e distinguido com especial atenção.

 

Em nosso novo serviço de Cardiologia imprimíamos a orientação para a cardiologia clínica dedicada aos problemas de um hospital geral, ajudando a Obstetrícia, Pediatria, Clínica Médica e Cirurgia Geral até o dia último de nossa feliz trajetória em dezembro de 1979.

 

De 1941-1945, participamos dos trabalhos experimentais do Prof. Eurico da Silva Bastos, na preparação de sua magnífica tese sobre Cardiomentopexia de O’Shaughnessy e enfarte experimental no cão. Ficamos tão entusiasmados com as sólidas anastomoses para a revascularização direta miocárdica que, mais tarde, chegamos a confiar-lhe dois casos clínicos de graves condições miocárdicas e estado anginoso instável e permanente, nos quais obtivemos ótimos resultados, com a suspensão de toda a medicação anterior.

 

Durante a era do anticoagulante oral (1944-1969) na prevenção do enfarte e seu emprego no tratamento do enfarte agudo do miocárdio, de acordo com os conceitos da Teoria Trombogênica do enfarte agudo do miocárdio (Herrick, 1912), milhares de publicações de todo o Universo, ressaltavam as suas propriedades e os incomparáveis sucessos. Participamos dos trabalhos até 1954 quando concluímos por seu fracasso indisfarçável na síndrome de enfarte iminente como preventivo do enfarte agudo. Por isso abandonamos o seu emprego e passamos à oposição ao anticoagulante.

 

Em 1962, publicamos 296 casos de enfarte agudo do miocárdio, tratados no próprio domicilio dos pacientes e sem anti-coagulante, com repouso absoluto de cinqüenta dias como era a regra. Registramos a mortalidade de 7,4%, presença de insuficiência cardíaca em 129 pacientes com vinte óbitos e sete casos de aneurisma ventricular esquerdo pós-enfarte.

 

Nossa publicação causou estranheza diante do modismo reinante com o emprego sistemático do anticoagulante que empolgava o mundo cardiológico. Muitos colegas acharam que tal publicação era um gesto de coragem e afoiteza, diante da “onda de sucesso” e da empolgação reinante. Na verdade, ela constituía apenas nossa convicção: pior cego é aquele que não quer ver, porque o fracasso do anticoagulante era fácil de verificar-se, principalmente frente a síndrome de enfarte iminente, como então era denominada a angina instável, em crescendo. Éramos apontados com a sadia ironia, comum ao individuo fanatizado e dono da verdade, como “aquele que não acredita e não usa a droga maravilhosa”

 

Em 1969, quando pararam por aqui com o emprego da fracassada droga, de repente esqueceram-se que tínhamos permanecido na mesma posição e de que não aproveitamos o momento propício de decepção e silenciosa consternação para dar o troco e tripudiar sobre os desgostosos da época de sofrimento. 

 

Nessa época permanecíamos ainda preocupados e procurando a explicação para o fracasso do anticoagulante. Os norte-americanos já haviam parado com o anticoagulante havia mais de dois anos, enquanto aqui haviam continuado até terem certeza de que não haveria mais apelação. Isso é próprio do brasileiro, que quer sempre ser, como padrasto, um pai mais verdadeiro que o próprio pai.

 

Em 1947, motivados pelos trabalhos de Pardee e de Wilson sobre Eletocardiografia precordial, começamos a preconizar CF4r ou V4R como o ponto inicial do eletrocardiograma precordial porque esse ponto deveria representar melhor o ventrículo direito, enquanto EF1 e V1 seria mais a captação do septo interventricular e ventrículo direito + esquerdo. Em 1949, publicamos “Pesquisa eletrocardiográfica do ventrículo direito”: nove anos depois obtivemos a confirmação de sua importância para a pesquisa da patologia do ventrículo direito, como veremos adiante.

 

Em 1954, começávamos a assistir o quinto caso de nossa casuística sobre aneurisma ventricular pós-enfarte, diagnosticado como os demais pela deformação da silhueta cardíaca através da radioscopia e teleradiografia. Impressionados com o quadro de insuficiência cardíaca congestiva irredutível até a morte, propusemos a um grande cirurgião patrício, afeito às abordagens do coração, a pura e simples aneurismectomia ventricular após pinçamento e extirpação da região aneurismática, seguida de sutura semelhante à da operação de estômago. Não foi aceita a proposta porque o cirurgião temia a deiscência da parede suturada, no que não acreditávamos.

 

A pedido do próprio paciente e maior interessado na própria sobrevivência, consultamos Claude S. Beck e Charles P. Bailey. O primeiro propôs reforço da parede aneurismática e o outro a aneurismectomia pura e simples. Optamos por essa, que viria ao encontro de nossa necessidade maior, qual seja a correção da insuficiência cardíaca congestiva segundo nossa intenção. Praticada a cirurgia pioneira e aberta assim essa nova picada, logo depois alargada em todo o mundo, partindo da necessidade de um cardiologista em luta para dar o melhor a seu paciente realmente condenado à morte próxima.

 

Necessitávamos do recurso cirúrgico radical e encontramos eco no decidido cirurgião. Assim, foi iniciada vitoriosa técnica cirúrgica que correspondeu plenamente à finalidade precípua da cirurgia radical e de resultados duradouros e não competitiva e repetitiva como acontece nas próteses valvares e de pontes de safena. Hoje em dia são operados desde os falsos e verdadeiros aneurismas ventriculares até regiões ventriculares apenas acinéticas e sem indicação cirúrgica, constituindo reparação plástica para a perfeição morfológica da silhueta cardíaca.        

 

Em 1958, fomos surpreendidos com o registro de caso sui generis com o padrão eletrocardiográfico típico de enfarte agudo (deflexão QS) situado frontalmente ao eletrodo explorador justamente situado no ponto V4R (CF4R) – derivação do ventrículo direito preconizada por nós desde 1949 – que estávamos registrando rotineiramente em nossos serviços havia onze anos, mas que vinha assim contrariar a teoria clássica de Wilson, denominada teoria cavitária uma vez que a cavidade do ventrículo direito representada por deflexão “rS” no enfarte do ventrículo direito. Contudo, no plano horizontal da eletrocardiografia, precordial, os dois pontos “V4R e V6” são tidos como recíprocos ou como imagem em espelho, e nesse caso apontava a presença de enfarte em posição oposta ao ponto “V6” do ventrículo esquerdo, por conseqüência, no próprio ventrículo direito, o que nos levou à suspeita de enfarte do ventrículo direito. Em dois únicos compêndios de Eletrocardiografia que incluíam capítulo sobre enfarte do ventrículo direito, Sodi-Pallares e Calder e Lenegre e colegas apresentavam tão somente a impossibilidade diagnóstica por imutabilidade da morfologia do complexo QRS frente ao enfarte do ventrículo direito, através do raciocínio teórico acima esboçado e fiel à teoria cavitária de Wilson, intocável e dogmática, a despeito dos próprios achados experimentais de Wilson e col. (1932-38) e de Bakos (1950) em cães, em que o enfarte de parede livre do ventrículo direito provocado mostrava deflexão “QS” no epicárdio do ventrículo direito enfartado, como se registrara antes no enfarte do ventrículo esquerdo, através das derivações epicardicas ou diretas e das precordiais ou indiretas. Tais trabalhos não constavam da bibliografia dos dois tratadistas, experimentadores e clínicos citados e eram ignorados porque se admitia então e por muito tempo o enfarte do ventrículo direito como achado raro ou praticamente inexistente.

 

Naquele caso, através da radioscopia e telerradiografias suspeitamos da presença de aneurisma parietal do ventrículo direito ou do átrio direito e a nosso pedido o Professor Eurico da Silva Bastos procurou repetir a recente operação de Charles P. Bailey.

 

Feita a toracotomia exploradora encontramos aneurisma do átrio direito que por consenso geral deixou de ser extirpado por não representar beneficio direto ao quadro clínico. Aproveitamos a rara oportunidade e registramos eletrocardiogramas dos pontos epicárdicos do ventrículo direito e do ventrículo esquerdo. Registramos os mesmos padrões eletrocardiográficos obtidos por Wilson e col. e Bakos e col. sobre o enfarte do ventrículo direito: Deflexões “QS e QR”.

 

Na ocasião, respeitamos a teoria cavitária e interpretamos aquela deflexão QS como a “QS mural de Prinzmetal, comum aos ventrículos direito e esquerdo normais e da superfície subendocárdica, com crescimento de “R” no sentido endocárdio para epicárdio, em derivações captadas com eletrodo especial perfurante utilizado por Prinzmetal, sendo a ausência de “R” interpretada como decorrente do enfarte.

 

Apresentamos o caso no Congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia como o primeiro caso de enfarte do ventrículo direito diagnosticado em vida, publicado logo depois: Contribuição para o estudo do enfarte do ventrículo direito” .

 

Daí em diante aqueles padrões precordiais direitos (V4R-V1) e esquerdos (V5-V6) em espelho ou recíprocos, em casos de enfarte da parede inferior eram tidos como de enfarte do ventrículo direito isolado e sempre como casos muito graves e mortalidade elevada (28-36,5%) mediante aqueles padrões.

 

Em 1963, publicamos mais três casos de enfarte agudo do miocárdio com óbitos e portadores daqueles padrões eletrocardiográficos: “Aspectos eletrocardiográficos do enfarte do ventrículo direito.” Como no primeiro caso em que fizéramos mapeamento eletrocardiográfico nas faces anterior, lateral e posterior dos dois hemitoraces, além de pontos marginais dos rebordos costais direito e esquerdo e da ponta do ensiforme, menos as esofagianas que havíamos feito no primeiro caso.  Fixamo-nos nos pontos “V6R, V5R, V4R-V1” como essenciais para a pesquisa do ventrículo direito e encontramos contradições nos aspectos dos ECGs tomados nos rebordos costais direito e esquerdo, referidos mais tarde por Medrano e col. como úteis ao diagnóstico eletrocardiográfico do enfarte do ventrículo direito. Foram contraditados por Cardenas e col. que achavam válidos na experimentação e que não serviriam à clínica.

 

Os dois trabalhos não despertaram a atenção dos cardiologistas patrícios, uma vez que no plano nacional muitos serviços universitários tecnicamente bem equipados e com pletora de pacientes enfartados não registravam nada neste particular, tanto que em reunião anátomo-clínica do Serviço de Cardiologia do Hospital dos Servidores de São Paulo, quando sob a chefia de Dr. Marcos Fabio Lion diagnosticamos através do ECG a presença de enfarte isolado do ventrículo direito: Deflexão QS em V1 com RS-T e T(+) e deflexão R (ausência de Q) em V5 e V6 e segmento RS-T(-) em associação com o padrão de enfarte de parede inferior, tendo sido confirmado o diagnóstico pelo exame anátomo-patológico. 

 

Em 1981, publicamos dois casos com registros eletrocardográficos preconizados por nós desde 1960 como enfarte do ventrículo direito isolado e na necropsia foi registrada a associação de enfartes de ventrículos direitos e esquerdo, passando daí em diante os referidos padrões a serem considerados como típicos de enfarte do ventrículo direito isolado ou associado a enfarte do ventrículo esquerdo inaparente: Deflexão “QS” no enfarte do ventrículo direito: teoria cavitária e teoria vetorial, Relato de dois casos”.

 

Em 1982, voltamos ao assunto com: "Subsídios eletrocardiográficos para o diagnóstico do enfarte do ventrículo direito”.

 

Em 1974, Cohn e col. em estudo hemodinâmico responsabilizaram o enfarte do ventrículo direito como causador do choque cardiogênico com hiperpressão do átrio direito e ventrículo direito até à circulação pulmonar por insuficiência do ventrículo direito e ventrículo esquerdo vazio. Verificaram que a expansão líquida então ministrada foi responsável pela sobrevida da maioria dos pacientes assim tratados.

 

Demonstraram a importância de reconhecimento precoce do ventrículo direito ou do ventrículo esquerdo, principalmente na síndrome de baixo débito ou choque cardiogênico, porque no primeiro exige expansão líquida e no segundo o diurético é básico. Daí, observava-se a necessidade de diagnóstico precoce e exato para a escolha do caminho certo no tocante à terapêutica, evitando-se a administração do que é deletério e fatal.

 

De 1975-1988 mais de uma centena de trabalhos surgiram com estudos através dos diversos métodos diagnósticos: hemodinâmico, cintilografia miocárdica, ecocardiografia, ressonância magnética e até na eletrocardiografia quando começaram a redescobrir os trabalhos experimentais de Wilson e col. e de Bakos e os nossos primeiros achados eletrocardiográficos do primeiro caso clínico diagnosticado em vida. Desde o trabalho de Cohn e col. tem-se verificado uma corrida para se identificar de qualquer forma a participação do ventrículo direito no enfarte agudo do miocárdio e de lá para cá a incidência de enfarte do ventrículo direito em associação com o enfarte do ventrículo esquerdo tem aumentado muito (27-60%) e em 80% dos casos de choque cardiogênico tem sido referido, tornando-se importante a identificação do enfarte do ventrículo direito por causa das implicações fisiopatológicas e terapêuticas para a predominância do enfarte do ventrículo direito ou do ventrículo esquerdo.

 

No encaminhamento das pesquisas para se chegar ao diagnóstico eletrocardiográfico do ventrículo direito, o que se vê nos tempos atuais é a repetição das referências pueris feitas na década de 20 quando começaram a procurar a identificação do enfarte do ventrículo esquerdo só através do segmento RS-T e onda T, quando mais tarde Wilson e col. na década de 30 indicaram a deflexão “QS ou QR” como característica essencial da necrose miocárdica, tanto no enfarte do ventrículo esquerdo como no enfarte do ventrículo direito. Neste último o que houve foi a marginalização preconceituosa por falta de apoio na teoria cavitária para explicação dos achados experimentais; principalmente porque no clássico trabalho sobre eletrocardiograma precordial de Wilson e col. da década de 40 não teceram qualquer consideração sobre o enfarte do ventrículo direito, condenado assim ao esquecimento de maneira inexplicável, a despeito dos trabalhos experimentais daqueles autores. Muitos dos trabalhos recentes tratando do segmento RS-T em V6R, V5R, V4R, V3R e V1 apresentam evidentes deflexões QS e QR sem sequer serem comentadas ou apontadas.

 

Trabalhos brasileiros redescobriram os aspectos já descritos na experimentação de Wilson e col. e de Bakos e na Clínica apontados por nós na década de 60, mas têm ignorado os seus autores. Espero que a honestidade científica predomine e as prioridades sejam reconhecidas e não arranhadas. Alterações do segmento RS-T e onda T são achados pouco significativos, enquanto as deflexões QS e QR indicam enfarte e necrose e são duradouras ou permanentes.(1)

 

Ano de 1972, marco divisório de nossa atuação frente à coronariopatia crônica em todos os estágios e principalmente na prevenção de suas grandes complicações: elaboração da Teoria Miogênica do enfarte agudo do miocárdio em contraposição da Teoria Trombogênica de Herrick, destacando-se dois aspectos essenciais: fisiopatológico e terapêutico. Este último veio coincidir com a introdução em nosso meio do cardiotônico – Estrofantina por via oral ou perlingual – na prevenção do enfarte miocárdico, calcado na experiência dos pesquisadores germânicos Manfred von Ardenne e colaboradores. Na ocasião fomos aconselhados a não utilizar a Estrofantina por via endovenosa, muito empregada por nós, representando antiga experiência e familiaridade com esse medicamento no controle efetivo da insuficiência cardíaca de qualquer etiologia, graças às grandes virtudes próprias e pelas vantagens de ação, fácil eliminação e pouca toxidez. Entretanto, de saída tínhamos de enfrentar e contrariar certos conceitos inseguros que indicavam o seu emprego apenas na presença de insuficiência cardíaca e, na ausência desta, frente a processo isquêmico poderia aumentar o sofrimento miocárdico e apresentar-se como agente de efeito deletério por aumento do consumo de oxigênio. Animava-nos a idéia de que a miocardiopatia isquêmica propiciando a insuficiência miocárdica regional, admitida por nós, seria o indício de miocárdio carente de cardiotônico, seria naturalmente receptivo e se beneficiaria, o que mais tarde foi comprovado clínica e experimentalmente.

 

Pela primeira vez, em trinta e um anos consecutivos, vimos cessar nossa antiga frustração diante da angina do peito resistente à terapêutica medicamentosa, denominada como angina instável, em crescendo, característica do pré-enfarte ou síndrome intermediaria, controlada de maneira efetiva e imediata com a administração da Estrofantina por via endovenosa, sustando assim a sua transformação em enfarte agudo, como era comum observar-se ao longo do tempo e de grandes insucessos.

 

Passamos depois a empregá-la no tratamento do enfarte do miocárdio, obtendo evidentes transformações quanto a evolução, incidência de complicações e resultados que sugeriam proteção miocárdica e poder o enfarte evolvente ser evitado, sustado ou pelo menos atenuado. Como conseqüência, passamos a preconizar a deambulação precoce no enfarte agudo, abandonando os cinqüenta dias de repouso absoluto e exercícios passivos, assumindo segundo os índices das reações enzimáticas seriadas o repouso absoluto de cinco dias naqueles com níveis enzimáticos inferiores a três vezes o nível superior normal (67%) e de dez dias naqueles com níveis enzimáticos superiores a três vezes o nível superior normal (33%) com alta hospitalar no dia seguinte, registrando-se a permanência na Unidade Coronária de 48 horas, numa época em que o repouso absoluto era de sete a oito semanas.  A mortalidade hospitalar foi de 10,5% e de 0,5% no mês seguinte a alta fazendo repouso relativo em casa.

 

Em seguida passamos ao tratamento da angina do peito estável e da coronariopatia assintomática com isquemia miocárdica revelada pelo ECG de esforço (trinta subidas no duplo degrau) como tratamento profilático do enfarte miocárdico, insuficiência cardíaca e graves arritmias que podem desenvolver a morte súbita ou morte elétrica.

 

Em 1975, após a publicação dos dois primeiros trabalhos sobre as novas rotinas terapêuticas nos três estágios de coronariopatia crônica, fomos distinguidos pela Sociedade Internacional de Combate ao Enfarte, com sede na Alemanha, com o Prêmio Tradição Ernst Edens (2).

 

Em julho de 1975, participamos do I encontro de Cardiologia da Paraíba, muito proveitoso do ponto de vista cientifico e do qual registramos inspirada manifestação do cardiologista e poeta Miranda Freire (3).

 

Em 1979, pouco antes de nos retirarmos do Hospital Matarazzo, publicamos a monografia “Teoria Miogênica do Enfarte Miocárdico. Novos conceitos fisiopatológicos e terapêuticos” (4).

 

Em 1980, fomos de novo surpreendidos e dessa vez com a publicação de um artigo do Dr. Peter Schmidsberger, na revista alemã Bunte, referindo-se à nossa monografia (5).

 

Continuamos na mesma prática com redobrado ânimo e muita convicção, a despeito do desinteresse, indiferença e boicote da parte daqueles que deveriam discutir, investigar, aprovar ou condenar nos próprios foros da Cardiologia, porque esse é o caminho ético e é expressão de cultura a serviço da verdade cientifica, em vez de silêncio e atitudes subalternas por coisas nossas, enquanto nossos índices de morbidade e mortalidade apontam o melhor caminho, valendo-nos apenas da terapêutica medicamentosa e achamos mesmo que é um privilégio para nós e nossos pacientes, dentre os quais muitos não se acovardaram com as invectivas pró-cirurgia da ponte de safena e escaparam da apelação cirúrgica dominante entre nós e gozam uma sobrevida longa e tranqüila.

 

Em 1983, publicamos trabalho sobre "Importância da idade como fator prognóstico no enfarte agudo do miocárdio", que contradiz a falsa impressão de que os mais jovens enfartados são mais vulneráveis que os mais idosos e que ainda hoje transita como verdadeiro.

 

Em 1985, dados os progressos alcançados com a pesquisa sobre enfarte do ventrículo direito e da necessidade de reconhecer-se com precocidade a sua participação no enfarte agudo do miocárdio, publicamos "Nova e simplificada classificação eletrocardiográfica do enfarte agudo do miocárdio".

 

Tal classificação será útil, em futuro próximo, quando acabarem com os pueris estudos eletrocardiográficos sobre segmento RS-T e onda T nas Precordiais direitas (especificamente em V4R que referimos em 1139 pts com enfarte agudo) e admitirem a faixa de pesquisa V4R, V5R, V6R como válida e especifica para o ventrículo direito como, e, até por equidade, V4, V5 e V6 representam a faixa de pesquisa para o ventrículo esquerdo. As tentativas cirúrgicas para o tratamento da coronariopatia crônica nunca contaram e não contam com o nosso apoio ou simples interesse e simpatia, porque não corresponderam às nossas necessidades permanentes, com exceção da cardiomentopexia que foi praticada em dois casos nossos de angina instável, em crescendo, como pré-enfarte, porque tínhamos confiança nos resultados experimentais, mas que de 1972 a esta parte não cabem mais porque o cardiotônico acabou com a resistência medicamentosa dos casos de angina instável, resultado nunca alcançado com qualquer outro tipo de tratamento.         

 

Nota: Este artigo foi extraído de capítulo com o mesmo título do livro "Como escapar da ponte de safena e do enfarte do miocárdio só com remédio", Mesquita, QHde: Editora Ícone, 1991, cujo resumo pode ser visto em http://www.infarctcombat.org/livros/icem.html

 

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